São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995
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Geração do curta conta o que 'A Felicidade É'

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Geração do curta conta o que `A Felicidade É'
Quatro dos mais destacados diretores do "boom" criativo do curta-metragem brasileiro dos anos 80 fazem conjuntamente a transição para o longa na próxima semana, concorrendo ao 23º Festival de Gramado com o filme de episódios "A Felicidade É...."
A.S. Cecílio Neto ("Ma Che Bambina") fez "Cruz". Jorge Furtado ("Ilha das Flores") rodou "Estrada". José Pedro Goulart ("O Dia em que Dorival Encarou o Guarda", co-direção com Furtado) revela "Sonho". José Roberto Torero ("Amor!") leva "Bolo".
As mesmas perguntas foram apresentadas pela Folha aos quatro cineastas, dois em São Paulo, dois em Porto Alegre. Segue assim uma espécie de encontro virtual pré-Gramado, onde "A Felicidade É..." passa na quinta, dia 17.
É o único longa de ficção brasileiro na disputa do kikito, ao lado de dois documentários, "No Rio das Amazonas", de Ricardo Dias, e "Yndio do Brasil", de Sylvio Back.

Folha - Como surgiu o projeto "A Felicidade É..."?
Jorge Furtado - A idéia original de realizarmos um longa de episódios surgiu em 86, logo após o tríplice empate em Gramado ("Dorival"/"Ma Che Bambina"/"A Espera"). O que parecia ser (e talvez tenha sido) um arranjo político do júri, premiando um filme gaúcho, um paulista e um carioca, foi a origem de uma bem-sucedida mostra de curtas.
Se havia público para uma mostra, por que não haveria para um filme de episódios? Discutimos a idéia mas não conseguimos levá-la adiante. Depois, a Casa de Cinema (produtora de Porto Alegre) retomou a idéia com um projeto intitulado "Deus", que chegou a ter lançamento oficial em Gramado. Ficou nisso. Em Gramado-94 o Cecílio tirou o projeto do baú.
José Pedro Goulart - Da mostra para cá sempre pensamos em realizar juntos um longa em episódios. Dos diretores remanescentes daquela época, ficamos Cecílio, Jorge e eu. Cecílio no último festival de Gramado convidou Guilherme e Torero. Cecílio propôs o tema e o título.
A.S. Cecílio Neto - Quando nos reunimos em Gramado no ano passado, decidimos fazer o filme possível naquele momento, no qual contaríamos com os próprios recursos. Daí a opção pelo filme em episódios onde cada um levantaria sua própria produção.
José Roberto Torero - Estávamos na mesa do restaurante que fica ao lado do cinema do Festival de Gramado. Depois de tomarmos 13 conhaques Macieira cada um, aconteceu o milagre. Uma névoa envolveu o restaurante, ouvimos uma música celestial e uma luz azul encheu o ambiente.
Então a névoa abriu-se e Nossa Senhora, toda vestida de branco, apareceu e pairou sobre nossa mesa. Ela disse que nós tínhamos uma missão: mostrar aos homens o que é a felicidade. Nossos olhos se encheram de lágrimas. Depois desse momento sublime, tudo voltou a normal num átimo. Aquilo nos tocou profundamente. Até a manhã seguinte ficamos ali conversando sobre o que fazer. Chegamos a duas conclusões: faríamos um filme chamado "A Felicidade É..." e nunca mais beberíamos Macieira.
Folha - Fale de seu episódio.
Goulart - Meu episódio, "Sonho", abre o filme. Pretende colocar a seguinte questão: quando nada dá certo para você, é bom que você tenha alguém que lhe ajude, mas, sob outra ótica, feliz de você que tem alguém para ajudar. Denise Fraga encabeça o elenco.
Torero - O filme se passa todo na cozinha. Um casal septuagenário está fazendo bodas de ouro. Ela prepara o bolo, ele molda um pedaço de madeira. Os atores são Vanda Lacerda e Jofre Soares, que deram o tom exato de ódio e necessidade entre o casal.
Furtado - Dois casais (Pedro Cardoso/Débora Bloch e Lila Vieira/Fabiano Post) estão vivendo um momento de grande felicidade e começam uma viagem rumo à serra gaúcha. Num conversível branco, flutuam pelo asfalto que serpenteia entre os plátanos dourados de Canela. Em rota de colisão, pilotando um velho e sujo caminhão sem freio, Mutuca (Zé Adão Barbosa) vive o pior dia de sua vida. Brigou com o chefe, a mulher e a cunhada. O final, só vendo.
Cecílio - Meu episódio é sobre o reencontro de um fantasma de 50 anos. Tivemos o privilégio de poder contar com Paulo Autran, Assunta Perez e Karin Rodrigues.
Folha - Por que o Guilherme de Almeida Prado ("Perfume de Gardênia") acabou ficando de fora?
Cecílio, Furtado, Goulart e Torero (unânimes) - Por não ter concluído seu episódio no prazo-limite estabelecido.
Folha - Como você vê o cinema brasileiro hoje?
Furtado - A produção, tanto de longas quanto de curtas, parece estar crescendo bastante. Vivemos um momento de renascimento pós-Collor, com várias iniciativas localizadas de apoio à produção por parte de prefeituras e alguns governos estaduais. Ainda não consegui entender a política cultural do governo FHC, se é que há alguma. Infelizmente a produção de curtas não encontra muito espaço de veiculação. Acho que em 96 teremos uma bela safra de longas.
Torero - Acho que nos próximos dois anos teremos um "boom" por causa do prêmio Resgate, que vai financiar uns trinta longas. Temo que não seja um "boom" de qualidade, principalmente porque a segunda parte do Resgate premiou muitos colegas e comparsas e poucos cineastas.
Cecílio - Com esperança para os longas e com apreensão pela ausência de mecanismos públicos de incentivo ao curta, que é o formato que permite a estréia e aprimoramento de novos cineastas.
Goulart - Não tenho acompanhado muito a cena.
Folha - O que você achou de "Carlota Joaquina", que batizou Carla Camurati no longa?
Torero - É um filme legal, que tem a importância de ter feito as pazes entre o público e o cinema brasileiro.
Goulart - "Carlota" contou com uma produção caprichada e um esforço muito grande em todo o processo de realização e exibição, o que foi fundamental para o sucesso. De resto não concordo com a opção narrativa e o desenvolvimento dos personagens.
Furtado - Acho bom. Muito bem dirigido e produzido, muito bonito e muitíssimo oportuno. Sinto falta de boas cenas do Nanini com a Marieta Severo, dois dos melhores atores brasileiros.
Cecílio - O mais de meio milhão de pessoas que assistiram falam por si.
Folha - Como estão os projetos para o primeiro longa individual?
Cecílio - Começaremos as filmagens dia 11 de setembro, no interior de São Paulo. Chama-se "A Reunião dos Demônios". É sobre crianças dos anos 60 que, de tanto serem chamadas de demônios, capetas e endiabrados passam a questionar se de fato o seriam.
Torero - Chama-se "A Pouco Incomum História de Adão e Eva", uma história de amor mas não muito. Quanto ao levantamento da produção, tenho jogado na loto toda semana.
Furtado e Goulart - Não tenho um projeto pronto de longa.

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