São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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França paga renda mínima a 1 milhão

VINICIUS TORRES FREIRE
DE PARIS

Agosto é o mês em que os pobres parisienses passam mais fome. Cerca de 60% das entidades de assistência fecham as portas neste mês de férias no país.
É também o mês em que os jovens desempregados perambulam pelas cidades turísticas do sul do França. A polêmica das leis antimendigo tinha data marcada para estourar.
O agosto deste ano é o pior dos três anos de crise social, desde que a taxa de desemprego estacionou em 8%. Há quase um milhão de franceses que dependem da renda mínima, paga pelo governo, para sobreviver. Destes, 40% solicitaram a ajuda no ano passado.
No contrato em que pedem o benefício, os desempregados se comprometem a negociar com o governo a procura de um trabalho.
Em 1994, 380 mil passaram a viver de RMI (Renda Mínima de Inserção); no mesmo período, apenas 21 mil ``remistas" conseguiram emprego.
Na semana passada, o governo francês autorizou os prefeitos a praticamente banirem a mendicância em suas cidades. Em 1994, três delas haviam adotado a medida. Neste ano, já são 12.
``Em agosto, até as instituições de caridade saem de férias, por isso, criamos o Agosto-Socorro Alimentar. Mas não estamos mais dando conta. No ano passado, demos 23 mil cestas de comida. Temos umas 50 mil neste ano, mas acho que vou precisar de muito mais", diz o padre Pierre Lane.
Lane e mais três associações distribuem cestas básicas para os famintos de Paris credenciados em alguma instituição social pública ou privada. Os sem-teto pedem esmola quietos, muitos deles de joelhos, segurando um cartão com inscrições.
``Tenho fome. Uma moeda de dois francos (R$ 0,40), por favor"; ``Uma moeda de cinco francos (R$ 1,00), para eu poder viver. Aceito qualquer trabalho", são as mais comuns. Algumas explicam como os pedintes pararam na rua.
O número de franceses sem renda hoje é de 9%, segundo o Credoc (Centro de Pesquisas e Documentação Sobre o Consumo), instituto ligado ao Departamento de Planejamento francês.
A polícia de Paris diz que existem cerca de 9 mil ``mendigos tradicionais" na cidade e 15 mil pessoas sem casa ou empregos regulares. O Escritório de Informações e Provisões Econômicas, oficial, estima em 16,5 mil o número de sem-teto na cidade.
Segundo a Folha apurou, os mendigos das regiões centrais da cidade recolhem o equivalente a R$ 30 por dia, o dobro da renda mínima paga pelo governo.
A maioria daqueles que conversaram com a Folha tem entre 25 e 40 anos. Eram pobres, ficou difícil estudar, perderam o primeiro emprego e passaram a viver de bicos.
Anne Marie Douaille, 33, está na rua há nove meses. Desempregada há um ano e três meses, fez curso superior técnico. Pede esmolas perto da Ópera de Paris, local de agências bancárias, e no Marais, bairro da moda na cidade.
Não explica porque largou a escola nem porque se separou do marido, mas expõe seu ``currículo" no cartão onde pede moedas. Diz que não tem ninguém e que não quer ``pedir esmola" ao governo. ``Vão querer me dar um emprego horrível."
Gabrielle (não disse o sobrenome) largou a escola no secundário para cuidar dos pais doentes. Trabalhou numa fábrica de embalagens. Despedida em 1991, já foi caixa de supermercado, garçonete, jardineira e cuidou de cachorro, entre períodos de desemprego.
``Moro com minha irmã de vez em quando, mas tenho vergonha. Durmo nos bancos ou em casas dos padres." Ela diz não conseguir emprego por causa da idade, que não revela. Parece ter 40 anos.
Pierre Alois pede esmola de joelhos, no metrô Châtelet (a maior estação de Paris) ou no Quartier Latin. Ao saber que está falando com um repórter, fica quieto, olha para o chão e aponta seu cartaz (``Uma moeda para manter as forças e procurar um emprego").

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