São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Lembrando Mauá

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Fiquei surpreso ao saber que a África está cada vez mais pródiga em estradas de rodagem. Os dados registram a existência de 1,7 milhão de quilômetros de rodovia em todo o continente!
Quando se considera o tamanho do seu PIB, verifica-se que a malha rodoviária da África é dez vezes maior do que a da França e 20 vezes superior à da Inglaterra ou da Alemanha (``The Economist", 10/7).
O grande problema, porém, é que a capacidade de construir estradas na África é muito maior do que a sua capacidade de conservá-las. Devido a fortes chuvas e, sobretudo, falta de recursos, as rodovias africanas estão em frangalhos -o que torna as viagens superdemoradas, antieconômicas, cansativas e perigosas.
O quadro é bastante parecido com a situação brasileira. Nossa capacidade de construir nas últimas décadas foi muito além da nossa capacidade de manter. A rede rodoviária nacional é enorme, mas uma pesquisa recentemente realizada pelo Ministério dos Transportes mostrou que mais de 80% dessa rede está em condições precárias para o trânsito de cargas e passageiros.
Os estudos do Banco Mundial revelam que, no caso da África, os investimentos anuais em estradas chegam a US$ 150 bilhões, mas, devido à falta de conservação, o continente perde nada mais, nada menos do que US$ 50 bilhões por ano!
Achar que tais países venham a conseguir recursos para enfrentar essas enormes despesas de manutenção é pura ilusão. O que é intrigante, porém, é que eles continuam arranjando dinheiro para a construção. É como o caso dos hospitais. Em toda parte do mundo, em especial no Brasil, sempre se encontra recursos para construir os prédios, mas nunca há verba para equipar e, principalmente, manter um quadro de pessoal de qualidade para cuidar dos pacientes. É a chamada euforia da construção sem qualquer planejamento econômico!
No caso das estradas, a solução mais comum tem sido a de criar um adicional de imposto de licenciamento dos veículos ou uma sobretaxa no combustível para que os usuários venham a colaborar na manutenção da rede. Ocorre que a tentação humana sempre leva as autoridades a desviarem os recursos para a construção de novas estradas e não para a sua manutenção.
O país tem memória curta e insiste em ignorar as recomendações de bom senso. O Barão de Mauá, há mais de cem anos, lutou pela construção de estradas de ferro e de navegação fluvial. Tivesse seguido os seus conselhos, o Brasil seria bem diferente. Basta lembrar que a manutenção da rede rodoviária implica em 50% de importação devido aos derivados de petróleo que entram nos materiais utilizados. No caso das ferrovias, trilhos, dormentes e vagões são inteiramente nacionais. Até quando vamos insistir em construir rodovias que não podem ser mantidas e negligenciar as ferrovias que são tão duradouras?

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