São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um espetáculo de subdesenvolvimento

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Há muitos aspectos da crise do Banco Econômico que são ainda obscuros e a respeito dos quais o governo, o Banco Central e o próprio banco baiano devem explicações à opinião pública.
Mas o que veio a público desde sexta-feira passada é realmente impressionante e já dá pano para mangas.
Presenciamos boquiabertos um espetáculo primoroso de subdesenvolvimento. Dá vontade de sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho, diria Nelson Rodrigues.
O episódio, que ainda terá muitos desdobramentos, revela como poucos a forma de proceder de setores poderosos das chamadas elites políticas e econômicas do país.
Saiu abalada a autoridade do presidente da República, levado, em poucos dias, a modificar a sua decisão inicial, sob ameaças e chantagem públicas de um de seus principais aliados. Para quem ainda tinha dúvidas, ficou claro quem dá as cartas no governo da "social-democracia brasileira. Até prova em contrário, é o Partido da Frente Liberal, o senador Antônio Carlos Magalhães à frente.
A solução encontrada por esses "liberais tipicamente brasileiros foi nada mais, nada menos que a estatização! Temporária, dizem. Mas até as velhinhas de Taubaté desconfiam que o temporário tende quase naturalmente à eternização. Anteontem mesmo, o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso proposta de emenda constitucional que prorroga por mais quatro anos o Fundo Social de Emergência, inicialmente previsto para vigorar em 1994 e 1995. Vejam só: um fundo de emergência para seis anos!
Mesmo que o Banco Econômico venha a ser "reprivatizado, quanto dinheiro do contribuinte será absorvido no seu saneamento? A julgar pelas declarações do interventor (ou ex-interventor) do Banco Central, Francisco Barbosa, o problema do banco baiano é muito grave. De um ativo total de R$ 7 bilhões, 40% ou mais seriam créditos de difícil recuperação, declarou ele. A dívida junto à linha de redesconto do Banco Central é de R$ 3 bilhões. Nos dias que antecederam a intervenção, houve saques elevados de liquidação antecipada de CDBs, entre outras operações "não usuais.
A autoridade do Banco Central e da sua diretoria sai arranhada, para dizer o mínimo. Foram insultados publicamente e obrigados a retroceder calados. Ficaram sem condições de explicar uma mudança de decisão tão rápida, extorquida à base de ameaças.
Com que legitimidade pode agora a diretoria do Banco Central -e o governo como um todo- continuar exigindo sacrifícios de outros setores? Como poderá encaminhar uma solução para os casos do Banespa e do Banerj ou enfrentar problemas do mesmo tipo que venham a surgir no futuro?
Pessoas que têm brios e espinha dorsal dificilmente podem ocupar cargos na diretoria do Banco Central. Não é um problema que possa ser atribuído apenas às fraquezas dos indivíduos que ocupam posições de comando. A questão é, em grande medida, institucional. Tem a ver com a forma de organização do Banco Central e do sistema financeiro. As dificuldades de bancos como o Banespa, o Banerj e o Econômico vêm-se acumulando há anos, sem que o Banco Central tenha tido condições de enfrentá-las no momento certo.
Falta-nos um Banco Central que tenha o grau de autonomia necessário para garantir a estabilidade da moeda e do sistema financeiro. O que temos hoje é uma instituição vulnerável, permeável a pressões políticas e a interesses financeiros privados.
Que esse episódio do Econômico, pela sua grotesca transparência, nos sirva pelo menos para fortalecer a consciência de que precisamos de uma reforma profunda do Banco Central e do resto do sistema financeiro.
É importante examinar a experiência internacional recente, as reformas que vêm sendo feitas em diversos bancos centrais para torná-los mais autônomos e os mecanismos usados para assegurar a estabilidade do sistema financeiro.
Com base nisso, e em uma avaliação cuidadosa da história e da estrutura atual do BC e do sistema financeiro como um todo, poderíamos tentar criar um quadro institucional moderno, que nos livre definitivamente -ou pelo menos reduza a incidência- de episódios constrangedores e demonstrações de primitivismo como as que estamos presenciando nesta semana.

Texto Anterior: Pimenta e colírio; Neutralizando malvadezas; Golpe editorial; Ganho gordo; Mais divisas; Na agenda; Conversa de operador
Próximo Texto: Tecnologia e qualidade de vida
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.