São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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CUT 'some' com liderança dos sem-terra

CRISTIANE PERINI LUCCHESI
DA REPORTAGEM LOCAL

Claudemir Ramos, o Pantera, como ficou conhecido pela polícia, ou o Búfalo, como era conhecido pelos posseiros de Corumbiara (RO), tem 22 anos.
Um dos líderes dos posseiros que invadiram a fazenda Santa Elina, Ramos nasceu no Paraná e mudou com a família para Rondônia aos 12 anos. “Fomos atrás de terra”, diz.
O sem-terra escapou da morte por pouco durante a desocupação da fazenda pela Polícia Militar, no último dia 9.
Naquela madrugada, depois de apanhar, Ramos conta que desmaiou. “Foi a minha sorte. Acharam que eu estava morto.”
O líder dos posseiros afirma que sofreu dois atentados em hospitais de Rondônia.
Diante disso, a CUT resolveu trazê-lo para São Paulo e escondê-lo. Ele chegou ontem às 6h30. “Estamos lançando campanha pela punição dos responsáveis do que chamamos de massacre de Rondônia”, diz Remigio Todeschini, da CUT.
No carro, a caminho do hotel, Ramos concedeu entrevista exclusiva à Folha:

Folha - O que você fazia antes de ocupar a fazenda?
Claudemir - Nós mexíamos com feira em Vilhena (RO). Aí meu pai (Adelino Ramos) entrou na luta e nós passamos a mexer com comercinho. Depois eu larguei disso e fui para ocupação.
Folha - É verdade que você já foi indiciado cinco vezes por invasões de terra?
Claudemir - Não é verdade.
Folha - O que aconteceu com você naquele dia 9?
Claudemir - Um dia antes, pela tarde, a polícia foi lá tentar negociar para nós sairmos da área. Aí, como nós estávamos lá com umas 500 famílias, falamos que íamos ficar lá porque nós precisávamos de terra. Daí eles falaram que iam comunicar o governador Valdir Raupp para tomar uma posição e no dia seguinte eles iam trazer uma decisão. Eles disseram que não iam bater em ninguém. Todo mundo ficou cantando vitória lá no acampamento. No dia seguinte eles atacaram, com tiro, bomba de gás, às 3h ou 4h.
Folha - Você estava acordado?
Claudemir - Não, estava todo mundo dormindo. Nós ouvimos os tiros -eles chegaram atirando- e fomos levantando, correndo, com machado, foice, moto-serra. A gente foi recuando para o meio do acampamento e eles conseguiram invadir. Já tinha uns seis que eu vi feridos, baleados, que caíram no chão. Eles puseram todo mundo de bruços e começaram a bater.
Folha - E com você, o que aconteceu?
Claudemir - Como eu estava com uma máquina fotográfica, tirando foto de todo mundo, a PM falou que queria me matar. Aí me bateram, começou a sair sangue dos meus ouvidos, boca, nariz. Pegaram no meu cabelo, fizeram eu comer sangue com terra. Eu vomitava. Aí minha mãe (Antônia dos Anjos Ramos) gritou e eles levaram um revólver na boca dela e falaram que iam matá-la se ela continuasse a gritar. Aí eu não vi mais nada. Era por volta das 7h. Fui acordar quase meio-dia e estavam me jogando num caminhão. Me bateram de novo.
Folha - Para que hospital você foi transportado?
Claudemir - Para um hospital em Vilhena, do governo. Daí fui para Porto Velho -Pronto-Socorro João Paulo 2º. Os PMs logo quiseram me matar, na quinta-feira, dia 10. Daí as enfermeiras e a Polícia Civil não deixaram. Fui transferido para outro hospital (Hospital de Base Ari Pinheiro) e sexta-feira à noite uns 20 policiais tentaram de novo invadir o lugar e não conseguiram. Daí ligaram para a Polícia Federal e eles correram lá. Só fui do hospital para o aeroporto para vir para São Paulo com segurança da Polícia Civil.
Folha - E o seu pai, Adelino Ramos, tido como um dos líderes da ocupação, onde está?
Claudemir - Meu pai não estava na hora, estava na terra dele, num assentamento. Não sei onde ele está. Minha mãe e dois irmãos, que estavam na Santa Elina, dizem que estão bem em Colorado do Oeste. A prefeitura de lá doou terras para assentar o pessoal.
Folha - O Movimento dos Sem-Terra não estava com vocês nem recomendou a ocupação. Como surgiu a idéia?
Claudemir - Tinha uma área e a gente, que estava na área do meu pai, tinha informação de que essa área não era de ninguém, estava sem documento. Então a gente resolveu ocupar. E não veio ninguém do Movimento dos Sem-Terra. Mas nós levamos a bandeira do movimento.
Folha - Por que você não ficou na terra de seu pai?
Claudemir - Eu estava na terra. Tinha um comercinho lá. Mas daí eu achei que ia ser melhor pegar um pedaço de terra para mim.
Folha - Há boatos de que você teria atirado em um policial.
Claudemir - Eu estava lá só com uma foice.
Folha - Os posseiros tinham armas de fogo e enfrentaram os PMs em esquema de guerrilha?
Claudemir - Eu não vi arma de fogo. Se tinha, deveria ser escondida. Só se foi no mato. A gente tinha foice, moto-serra e machado.
Folha - Quem é o culpado?
Claudemir - O governo do Estado. Eles tinham ficado de dar uma posição e daí fizeram isso...
Folha - Você votou em quem?
Claudemir - Eu votei no governador Raupp mesmo. No primeiro turno, eu votei no PT, sou do PT. O Raupp foi aliado do PT e eu votei nele. Eu votei nele e ele veio contra mim. Mas não adianta desanimar. É como se diz, apanhando, vivendo e aprendendo.
Folha - Onde está a lista de quem estava na Santa Elina?
Claudemir - Queimaram tudo. Todos os meus documentos, nossas casas. O que me sobrou foi só uma calça e ainda rasgou. Tem bastante gente desaparecida.

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