São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995 |
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Caso O. J. derruba credibilidade do júri
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Durante seus 219 anos de vida como país independente, os EUA respeitaram a idéia de que os acusados devem ser julgados por seus pares. Entre 1994 e 1995, segundo o Instituto Gallup, pesquisas de opinião pública mostram que a aprovação do júri caiu de 72% para 51%. O caso Simpson transformou desconfianças e preconceitos que cresciam entre muitos norte-americanos quanto a seu sistema jurídico em certezas. Entre elas: a justiça não é cega e distingue entre ricos e pobres e os jurados não têm competência técnica para resolver casos complicados. O. J. Simpson é um ex-jogador de futebol americano transformado em ator e garoto-propaganda, acusado do assassinato de sua ex-mulher e um amigo dela. A evidência contra ele é esmagadora. Mas não há testemunhas visuais do crime e a arma com que o assassino matou as vítimas nunca foi achada. Qualquer pessoa sem recursos que estivesse na situação dele, a esta altura, já teria sido condenada à morte. Mas Simpson gastou até agora, um ano após os crimes, pelo menos US$ 2,5 milhões com excelentes advogados criminais do país para se defender. A promotoria, por outro lado, não dispõe nem de 5% desses recursos para acusá-lo. O resultado é que se tem como quase certo que ou Simpson será absolvido ou, na pior das hipóteses para ele, o júri não chegará a veredicto algum. Muitos norte-americanos acham que pessoas comuns, como as do júri de Simpson, são incapazes de compreender o que advogados e testemunhas dizem. Cientistas especializados em DNA, impressões digitais, sorologia, comportamento humano se sucedem em depoimentos complicados e longuíssimos. Pelo menos 25% da população acompanham cada passo do julgamento nas transmissões ao vivo em pelo menos duas redes de TV por cabo. O público assiste ao cinismo ostensivo de alguns dos advogados de defesa de Simpson e à incompetência desastrosa de muitos dos promotores. Um deles, Cristopher Darden, classificou todo o processo como ``um circo" e disse que vai abandonar a profissão quando o caso for encerrado. Se um dos personagens principais do drama jurídico chega a esse grau de desilusão com o sistema, o que dirá o cidadão comum, que paga a conta? Paixão por julgamentos A paixão dos norte-americanos por tribunais e julgamentos, que se materializou no cinema e na TV com personagens como Perry Mason, está se transformando em aversão pelo sistema jurídico. Advogados hoje estão entre os profissionais menos respeitados do país. O mesmo vale para juízes. Até os da Suprema Corte, sempre vistos pelo cidadão como vestais da moralidade, quase imortais com seus cargos vitalícios, perdem prestígio. O processo de escolha de Clarence Thomas em 1991, que acabou se transformando no seu julgamento pelo ``júri" do Senado, mostrou que os juízes da Corte podem ser vulgares e mesquinhos como um ``zé ninguém". O psicólogo Anthony Napoleon afirma que chegar a conclusões sobre o sistema jurídico dos EUA a partir do caso Simpson é o equivalente a julgar as mulheres do país tendo um show de Madona como único referencial. Nenhum julgamento foi tão longo e caro, provocou tantos subterfúgios legais, envolveu tantos interesses quanto o de Simpson. Ele está longe de ser um protótipo do funcionamento do sistema jurídico do país. A generalização a partir dele é injusta mas acontece. Simpson é o ápice de um processo que envolve casos como os de William Kennedy Smith, Michael Tyson, John e Lorena Bobbitt, os irmão Menendez, entre outros. Pressões por mudanças na instituição do tribunal do júri começam a se acumular na agenda nacional e o alinhamento ideológico já foi definido. Os setores mais liberais vão defender a instituição enquanto os mais conservadores vão atacá-la. O tribunal do júri está em julgamento e o veredicto da opinião pública provavelmente vai ser ``culpado", em especial se o de Simpson for ``inocente". Texto Anterior: General descarta novo conflito em Chiapas Próximo Texto: Julgamento rende US$ 200/dia a camelô Índice |
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