São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Surdez na infância

MÁRIO SÉRGIO LEI MUNHOZ

A audição é sem dúvida nossa função sensorial mais importante e a que mais nos integra ao mundo. Privados dessa função, não só nos isolamos, como também não teremos condições de adquirir satisfatoriamente o código usado para comunicação (linguagem).
Nosso órgão sensorial auditivo se desenvolve intensamente nos primeiros meses de gestação, quando diversos agentes podem interferir ou mesmo interromper tal desenvolvimento.
Portanto, é importante ter em mente que a surdez determinada geneticamente é apenas um contingente de casos frente ao universo de surdos e muitas crianças que nascem surdas têm essa deficiência por problemas adquiridos na gestação.
Durante e depois do parto, a criança atravessa outro período crítico, pois se encontra muito suscetível a uma série de condições que podem resultar em perdas auditivas definitivas.
Na Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), nossa equipe teve a oportunidade de examinar e catalogar, no início dos anos 90, os atendimentos de 2.336 crianças, cujos pais procuraram o serviço de otorrinolaringologia ou fonoaudiologia por achar que seus filhos não escutavam bem ou porque não aprendiam a falar adequadamente.
Nessas crianças encontramos perda auditiva severa em 80% dos casos, ocasionada por lesão da parte interna do ouvido, a que transforma o estímulo sonoro em elétrico. A lesão nesse segmento da via auditiva é definitiva.
As causas mais frequentes que conseguimos identificar foram: 1) utilização de antibióticos lesivos ao ouvido interno (ototóxicos) em 11,73%; 2) rubéola nos primeiros meses de gestação em 10,92%; 3) meningites bacterianas em 8,0%; 4) causas genéticas em 7,4; 5) asfixia no parto em 6,0%.
O diagnóstico precoce é a chave para a reabilitação adequada. Para isso contamos com equipamentos computadorizados que conseguem medir os níveis auditivos da criança logo nos primeiros dias de vida.
Não obstante os equipamentos, é de extrema valia a observação das reações ao som, principalmente à voz materna; e a observação do desenvolvimento da fala, pois sem audição não se aprende a falar espontaneamente. Ao menor sinal suspeito, aconselho os pais a procurarem especialistas (otologistas e fonoaudiólogos) treinados para esse tipo de diagnóstico.
A reabilitação de uma criança surda é baseada fundamentalmente no ensino da linguagem. Esta é a única forma possível desse pequeno paciente ter acesso aos códigos com os quais lidamos diariamente.
O som é outra parte importante do problema e, para introduzí-lo, utilizamos as próteses auditivas, que nada mais são do que amplificadores de som. Apesar do grande desenvolvimento que esses equipamentos experimentaram nos últimos anos, eles ainda são limitados, e pacientes com perdas profundas raramente são beneficiados.
A solução para essa parcela de deficientes auditivos é o implante coclear. Esse equipamento funciona transformando som em estímulo elétrico, que é aplicado diretamente ao nervo auditivo. Assim, é possível substituir em parte a função da porção interna do ouvido.
Desde dezembro de 94, contamos na Unifesp com um implante desenvolvido pelo dr. William House (EUA), que custa R$ 4.500,00; 65% menos que os até então disponíveis.
Isso permitiu que um número apreciável de pacientes tenha sido beneficiado nesse curto período de tempo. Espero que isso se constitua num passo importante para que nosso sistema de saúde reconheça a magnitude do problema e passe a custear esse equipamento para a parcela carente da população.
A surdez é uma deficiência altamente limitante, cuja reabilitação envolve um custo pessoal, familiar e social elevado e que, num bom número de pacientes, pode ser prevenida. Espero que as autoridades, pais e profissionais envolvidos com a criança despertem para o problema e tomem medidas mais efetivas que resultem em maior prevenção, diagnóstico mais precoce e reabilitação eficiente.

Texto Anterior: Acabando com o capitalismo
Próximo Texto: Marinha resgata feridos em acidente com navio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.