São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Filme revela Nelson Rodrigues ``soft"

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

A projetada série de filmes para a TV ``Cinco Vezes Nelson", baseada em contos de ``A Vida Como Ela É...", de Nelson Rodrigues, apresenta hoje no Rio seu primeiro rebento. ``O Primeiro Pecado", dirigido por Arthur Fontes, reinaugura o Cine Estação Botafogo (leia texto ao lado), que depois de dois meses de reformas reabre com o novo nome de Estação Banco Nacional. Dia 29 o filme será mostrado em São Paulo.
Rodado em película de 16 mm e ampliado para 35 mm, ``O Primeiro Pecado" tem no elenco Fernanda Torres e Pedro Cardoso. Com duração de 30 minutos, é uma adaptação bastante fiel do conto homônimo de Nelson Rodrigues. ``Era a primeira vez que lidávamos com o Nelson, e nos aproximamos do mestre com humildade", disse à Folha o diretor Arthur Fontes, 32. ``Só inventamos um final para a história, que não tinha uma conclusão."

Trabalho coletivo
Fontes usa quase sempre a primeira pessoa do plural porque o projeto ``Cinco Vezes Nelson" é radicalmente coletivo (leia texto abaixo). Além de dirigir seu segmento, cada cineasta envolvido colabora no roteiro e na produção dos outros quatro. Embora os diretores tenham autonomia para adotar estilos e linguagens próprios, Fontes adianta que o tom relativamente contido e discreto de seu filme deverá ser preservado nos demais. ``Optamos deliberadamente por fazer um Nelson `soft', até porque os contos de `A Vida Como Ela É...' permitem fugir do estereótipo do Nelson exagerado, extravagante. Queremos provar que é possível para fazer Nelson realista sem ser grotesco", afirma o diretor.
Nada, portanto, de gritos, facadas, abortos, taras, perversões, gente se descabelando, essas coisas todas que cristalizaram nas últimas adaptações cinematográficas, teatrais e televisivas a imagem do dramaturgo.
A julgar por ``O Primeiro Pecado", essa abordagem mais leve do universo rodriguiano não implica, contudo, narração descarnada, bom comportamento ou ausência de sexo e erotismo.
No filme, Pedro Cardoso é o sujeito meio cafajeste, meio tímido, que é praticamente cantado por uma mulher (Fernanda Torres) e depois descobre que ela é casada. O humor do episódio vem, por um lado, da crise do macho, que balança entre o desejo e o preconceito, e por outro lado da imprevisibilidade das ações da mulher.

Homem-objeto
``O que me atraiu nesse conto foi o personagem feminino", diz Fontes. ``Nelson contou histórias de adultério de inúmeras maneiras: do ponto de vista do traído, do amante, da adúltera... Nessa história, é a mulher que tem a iniciativa, sem culpa nem preconceito. Nelson inventou o homem-objeto."
Tanto do ponto de vista da invenção narrativa como da qualidade técnica, o filme é impecável.
A reconstituição de época (Rio nos anos 50) é sutil e eficaz, sem aquele ranço de patrimônio histórico restaurado e figurino engomadinho das minisséries de TV. A fotografia (de Affonso Beato) tira lirismo dos meios-tons e de um leve esmaecimento da imagem.
No elenco, além de Cardoso e Fernanda Torres, que se completam à perfeição, Tonico Pereira encarna um velho conquistador com comicidade irresistível.
Há pelo menos uma cena antológica: na cama com a amante, Cardoso se imagina festejado no bar pelos amigos como se tivesse vencido um campeonato.
O filme custou RS$ 210 mil, bancados por uma miríade de patrocinadores, através da Lei Rouanet de incentivo à cultura.
Diretor do premiado curta ``Trancado por Dentro" (89) e de musicais de TV (de Marisa Monte, Titãs, Caetano), Arthur Fontes deverá dirigir um documentário sobre Assis Chateaubriand.
A obra fará parte do megaprojeto de levar às telas de TV e cinema o livro ``Chatô", de Fernando Morais, capitaneado pelo ator Guilherme Fontes. Que, aliás, não é seu parente.

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