São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Wolfgang Wagner prepara a sucessão

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Manter acesa a chama votiva do wagnerismo tem sido a tarefa do encenador alemão Wolfgang Wagner, diretor do Festival de Bayreuth (Alemanha). Aos 76 anos de idade e 60 de carreira, ele tem a vida dividida entre arte e negócio.
Acaba de lançar a autobiografia, ``Lebens-Akte" (Atos da Vida). Encerra neste domingo mais uma edição do evento fundado em 1876 por seu avô, o compositor alemão Richard Wagner (1813-1883).
Mas não estaca o passo. Já iniciou ensaios para a nova montagem da ópera ``Os mestres Cantores de Nurenberg", que dirigirá em 1996 com regência de Daniel Barenboim. Ainda acha tempo para negociar contratos com os músicos mais requisitados do mundo.
Não bastasse, a luta sucessória em Bayreuth está na ordem do dia. Irmã, cunhados, filhos e sobrinhos Wagner anseiam pelo direito sucessório. Mas Wolfgang quer retirar o traço familiar da Fundação Wagner. Mesmo porque metade do dinheiro vem do governo alemão e a outra, de multinacionais.
Especialistas em conspirações wagnerianas dão conta de que Wolfgang já tem preparada a sucessão. Mencionam a mulher do encenador, que foi secretária do festival por 30 anos. Imaginam também uma comissão curadora. Wagner sorri misteriosamente.
A autobiografia é um relato sincero do ``Sócrates da Francônia" (como é conhecido por seus conterrâneos pelo amor que alimenta pelo diálogo) sobre meio século de atividades artísticas em Bayreuth.
Aborda o tema tabu, o do papel de Hitler no cotidiano de Wahnfried, mansão que abrigou a família até ser bombardeada, em 1945. Hoje a casa virou museu e Hitler, uma lembrança infantil de Wolfgang. No livro, ele prefere enfatizar sua obra de encenador. Publica esboços e documentos.
Wagner respondeu a algumas perguntas da Folha por fax, na última segunda-feira. Rejeita uma abordagem histórica das óperas do avô e acha que o futuro do festival depende da fundação.

Folha - Como o sr. analisa seu trabalho como encenador?
Wolfgang Wagner -Com humildade. Procuro fazer um trabalho em conjunto. A autobiografia conta sobre meu trabalho, embora tenha pouca análise sobre ele.
Folha - Como foi a experiência de escrever o livro?
Wagner - Fazer esta autobiografia foi um desafio estafante. A pesquisa teve de dar conta dos assuntos que me pareceram mais importantes. É bastante complicado distinguir aquilo que é útil ao público daquilo que me soa embaraçoso. Procurei descrever acontecimentos e impressões que ocorreram no glorioso século 20.
Atribuo um grande valor àquilo que é verificável documentalmente e aos fatos concretos. Não me pareceu interessante fazer uma retrospectiva pessoal e sumária. Busquei fixar momentos e relativizar as variáveis introspectivas.
Folha - O sr. pensa em trabalhar em outras obras?
Wagner - Não pretendo escrever outro livro num futuro próximo. Mesmo porque tenho tantas coisas para fazer que nunca terei tempo para me transformar num escritor ou num cientista.
Folha - O sr. acha possível a volta das encenações do século 19, com capacetes de ``viking" e gesticulação afetada em nome da arqueologia musical?
Wagner - Não. O teatro lida com tudo que é volátil, passageiro. Portanto, se o teatro se aplicar em conservar procedimentos antigos como se fosse um museu, vira uma arte morta e nada mais significa. O esforço de reconstruir encenações antigas pode ser interessante sob o aspecto histórico. Mas como experimento artístico não passa de irrelevante e supérfluo.
Folha - O sr. planeja o ``Anel" do próximo século?
Wagner - Já. Mas é prematuro adiantar o que tenho em mente.
Folha - A posteridade artística de Wagner está garantida?
Wagner - Até hoje, não há nenhum indício do contrário.
Folha - O que o sr. faz para conservar a arte de Wagner?
Wagner - Cumpro minha tarefa como diretor do festival, no qual procuro desenvolver a Fundação Richard Wagner e atrair clientes para a instituição. A noção de festival significa reunir os melhores artistas nas récitas de alto nível.
Minha maior preocupação está em obter recursos suficientes para manter esse nível e, claro, realizar a mais pura substância técnica da obra de meu avô. Os fundamentos do futuro da Festspielhaus estão na atualização. Procuro obter um equilíbrio entre mudança e continuidade e concretizar esses componentes numa atitude universal.

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