São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Mulher luta para unir família e trabalho

HILLARY CLINTON

Em todos os lugares onde já trabalhei uma coisa estranha acontece às 15h. As mulheres começam a telefonar. É o fenômeno da ``mamãe ansiosa" -as mães ligam para casa para checar se os filhos chegaram bem da escola.
Sei disso porque eu mesma já fiz a mesma coisa centenas de vezes. E, como qualquer outra mãe que trabalha fora, muitas vezes já fui obrigada a sair ao meio-dia ou faltar ao trabalho devido a uma emergência na família.
Certa vez, quando eu era advogada recém-formada, eu tinha que estar no tribunal às 9h para um julgamento importante. Meu marido estava viajando. Minha filha estava doente. E eu estava apavorada.
Consegui dar um jeito nessa situação e em outras semelhantes -mas só porque contava com muito apoio: "baby-sitters", minha sogra, que morava perto de nós, minha mãe, que fazia visitas regulares, e meu marido, que sempre se prontificava a ajudar. Entretanto a maioria das mães que trabalham fora não tem a mesma sorte.
Hoje em dia, quando a maior parte dos pais e mães nos EUA trabalham demais e se deslocam muito, depender de parentes e amigos para cuidar dos filhos nem sempre é uma opção viável.
A maioria dos locais de trabalho não oferece nem paga creches para os filhos de seus funcionários. As creches não aceitam crianças doentes, e a maioria delas cobra taxas altas quando os pais se atrasam para buscar os filhos.
E, infelizmente, em lugar de ajudar as mulheres que precisam ajustar seus horários para cuidar de obrigações familiares urgentes, as empresas frequentemente impõem penalidades.
Recentemente uma operária de 42 anos que trabalha numa montadora de automóveis e tem dois filhos me disse: "O que eu faço com meus filhos quando me colocam no turno das 16h às 24h?".
Quer sejam juízas federais ou cozinheiras de lanchonetes, o fato é que as mulheres que trabalham fora não estão recebendo o apoio que precisam em sua luta para satisfazer as exigências rivais da família, do trabalho e da carreira.
Mas você não precisa acreditar apenas em minha palavra. Basta perguntar a qualquer uma das mulheres que trabalham fora com quem estive recentemente em Atlanta e Santa Fé. Ou às 250 mil mulheres que responderam um questionário enviado pelo Departamento de Trabalho neste ano.
"Temos que ser esposas, mães, profissionais e nós mesmas -e isso geralmente vem em último lugar", disse uma enfermeira de 37 anos num encontro em Santa Fé.
A vice-presidente-assistente de um banco em Atlanta me contou: "Quase atropelo pedestres tentando chegar à creche dentro do horário, para não pagar a multa que cobram depois das 18h".
Mesmo uma juíza federal com quem conversei sentia a mesma pressão. "Quando eu era advogada, todos os outros sócios da firma tinham mulheres que não trabalhavam fora de casa", disse a juíza, mãe de quatro filhos. "Eles não precisavam se preocupar em buscar as crianças ou pegar a roupa na lavanderia".
Hoje em dia três em cada quatro mulheres que trabalham fora de casa têm filhos em idade escolar. A imensa maioria das mulheres que trabalham ganha menos de US$ 25 mil por ano. Não chega a surpreender que o estresse seja o problema número um da maioria dessas mulheres.
A mensagem inequívoca transmitida por muitas das mulheres -e também dos homens- com quem conversei é que precisam de mais tolerância e apoio.
Mesmo em um lugar tão sobrecarregado de trabalho quanto a Casa Branca procuramos oferecer alguma flexibilidade aos pais que trabalham fora. Um dos principais assessores da campanha de meu marido tirou um mês de férias logo antes da eleição, em 1992, para ficar com seu filho recém-nascido.
Uma de minhas assistentes administrativas costumava trazer seu filho recém-nascido ao escritório e, quando necessário, o amamentava durante as reuniões.
Outra integrante de minha equipe trabalhou em casa durante os últimos dois meses de sua gravidez. Chegamos ao ponto de guardar alguns brinquedos no escritório caso os pais precisem trazer seus filhos ao trabalho.
Não somos os únicos a adotar essa atitude. Empresas e organizações nos setores público e privado estão começando a reconhecer que um local de trabalho que não seja hostil à vida familiar dos funcionários não apenas é bom para sua moral, mas é realmente necessário.
Em San Francisco um grupo de empresas, sindicatos e grupos comunitários cooperou na criação de uma creche para os filhos de aeroviários, aberta 24 horas por dia.
Em Boston o itinerário de ônibus escolares foi modificado para ajudar as crianças a cumprir seus compromissos depois da aula.
No norte da Califórnia um grupo de firmas de advocacia e consultoria criou um serviço telefônico gratuito, para onde os funcionários podem ligar 24 horas por dia, sete dias por semana, quando precisam de babás e enfermeiras testadas e aprovadas para assistência de emergência a crianças e idosos.
Em Nova Jersey uma empresa com 3.000 funcionários está criando um programa piloto que oferece a seus funcionários semanas de trabalho comprimidas em quatro dias por semana, partilha de empregos, opção de trabalhar em regime de meio período ou horário flexível, além de trabalhar em casa via computador e modem.
Em lugar de obrigar mães e pais estressados a se virarem sozinhos, todos nós devemos ajudar a promover mais harmonia em nossas vidas familiares e de trabalho.

Tradução de Clara Allain

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