São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Idéia original fica perdida

IGOR GIELOW
EDITOR-ADJUNTO DE ECONOMIA

Com 318 anos de atraso, chega ao Brasil o texto mais importante da alquimia ocidental, o "Mutus Liber".
Como o próprio nome latino diz, não se trata propriamente de um texto, mas sim de uma sequência silenciosa de 15 pranchas, nas quais estão descritos, de forma pictórica, todos os preceitos da chamada filosofia hermética.
As páginas restantes da cuidadosa edição brasileira, assim como de todas as subsequentes à original, são dedicadas a comentários sobre as figuras. Aí reside uma perigosa faca de dois gumes.
O texto é inundado por citações. Por um lado, ganha o leitor uma boa idéia da multiplicidade de leituras possíveis. Por outro, fica evidente o maior problema dos textos sobre alquimia: cada um vê o que quer no emaranhado de signos descritos.
Foi assim com cientistas, como Isaac Newton, psicólogos, como Carl Jung, e artistas, como William Blake.
Codificada na China e no Egito Antigo, a alquimia em princípio se propunha a interligar a linguagem dos homens com a dos deuses. Na civilização árabe, ganhou status de ciência operativa -a elevação da alma simbolizada pela transmutação de metais vis em ouro virou realidade de laboratório.
Com esse espírito, ela chegou à Europa Ocidental no século 12 -quando foi transcrito o texto egípcio "Tábua da Esmeralda", de Hermes Trismegisto, sacerdote que supostamente encarnava o deus Thot.
O século 17 presenciou o auge da publicação de textos sobre o tema, a maioria sobre a transmutação de metais. Daí ser comum considerar a alquimia apenas uma simples pré-química.
Nesse contexto surgiu o "Mutus Liber". Àqueles que buscavam ouro, as imagens traziam indicações precisas -como fez o francês Armand Barbault na década de 60. Aos que buscavam autoconhecimento, dados tão ou mais seguros.
O problema é decifrar os signos. Trabalho dificultado nessa edição nacional, uma vez que o autor não só interpreta, como, num tom cheio de reverência, descreve como outros intrépidos tradutores chegaram a suas conclusões. Com isso, a vocação do livro, de transmitir conhecimento por meio do silêncio, perde-se num mar de hipóteses e divagações.

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