São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995 |
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Brasileira fundou o italiano Dal Pescatore
CELSO FIORAVANTE
Localizado em Runate, uma fração da cidade de Canneto sull'Oglio, no centro da Itália, o Dal Pescatore tem outra característica insólita: 36 lugares em um vilarejo de 36 habitantes. Em entrevista à Folha, por telefone, Antonio Santini, neto de Teresa, falou sobre a história de seu restaurante e sobre a clientela que se dispõe a ir até lá. Folha - É verdade que a entrada de sua família no ramo da gastronomia começou com uma sua avó brasileira? Antonio Santini - Sim. Minha avó Teresa Mazzi nasceu no Brasil, em uma cidade chamada Mogi-Mirim, em 1904. Era filha de italianos que emigraram para o Brasil, mas que voltaram para a Itália e se instalaram em Cremona, perto daqui. Folha - Você sabe porque eles voltaram? Santini - Eles gostavam muito do Brasil, mas haviam deixado uma casa e outros familiares aqui. Minha avó guardou sempre belas recordações do Brasil e me dizia sempre que eu deveria ir um dia ao Brasil. Não fui ainda. Folha - Mas como se deu a entrada de sua família no ramo gastronômico? Santini - Foi a avó Teresa e o avô Antonio Santini que começaram tudo, em 1926, quando se casaram e se transferiram para cá, Canneto sull'Oglio. O avô era pescador e a avó ficava em casa e fazia o peixe que o avô pescava. Pouco a pouco, a casa começou a sofrer transformações e os descendentes da família -Giovanni, meu pai; Bruna, minha mãe; eu e minha mulher- entraram no ramo. Meu filho maior, Giovanni, de 19 anos, demonstra interesse pela cozinha e acredito que continuará a tradição. Folha - Como foram as transformações ao longo desses anos? Santini - Começou como um pequeno restaurante no campo, mas sofreu as transformações exigidas pelo tempo. Antigamente, os clientes vinham a cavalo, de bicicleta... Depois da Segunda Guerra, as pessoas começaram a se ocupar cada vez mais da cozinha, da alimentação, e agora existe um grande interesse pela gastronomia. Neste momento, com a fama crescente do restaurante, também aumentam as exigências. Folha - Sua clientela é formada basicamente por nativos ou por turistas? Santini - O percentual maior é sempre de italianos, mas devido ao crescente interesse gastronômico em relação à cozinha italiana o número de europeus e mesmo extra-europeus que vêm ao Dal Pescatore é grande e está crescendo. Folha - É possível fazer alguma coisa em Runate, além de ir em seu restaurante? Santini - Runate está no parque do rio Oglio, em uma zona de fauna muito bonita... Folha - O restaurante está sempre cheio? Existe alguma diferença entre verão e inverno? Santini - À noite sim, está sempre cheio, mas na hora do almoço, é mais tranquilo. No verão, o número de turistas cresce muito. Cai no inverno, principalmente devido a neblina, que dificulta o acesso à cidade. Folha - Como foi a formação profissional de vocês? Santini - Eu conheci Nadia quando estudávamos Ciência Política em Milão. Quando decidimos ir para a gastronomia, estudamos alimentação, critérios de preparação de pratos, viajamos muito pela Europa para ver o que acontecia no ramo. Fazemos uma cozinha regional italiana, adaptada aos novos cânones da cultura alimentar. Ou seja, o prato deve ser leve, bonito, mas sobretudo deve exprimir os gostos da região. Folha - O caça tem um papel importante em seu restaurante? Santini - Não muito. Produtos de caça não são encontrados facilmente. A planície Padana é sempre menos caracterizada por sua caça enquanto que produtos e derivados suínos ganham sempre mais destaque. Folha - Os vegetais são importantes? Santini - Muito. Temos uma horta onde produzimos a maior parte das verduras e legumes que precisamos. Mesmo animais -galinhas, patos, porcos e gansos- são criados pela família. Folha - Quantas pessoas trabalham no Dal Pescatore. Santini - Somos em 13 pessoas, sendo que quatro são da família. Folha - A fama alcançada pelo restaurante rende convites para que vocês cozinhem fora do restaurante e da Itália? Santini - Recebemos convites com frequência, mas preferimos ficar em Runate porque achamos que os clientes andam muito para chegar até aqui e por isso acreditamos que seja justo nos encontrarmos aqui quando eles vêm. Folha - A crítica gastronômica foi sempre generosa? Santini - Estamos bem contentes com as críticas, mesmo porque é preciso acreditar que um jornalista é como um cliente. É muito normal que ele encontre algo que não lhe agrade. Eu posso experimentar uma Ferrari e achar sua suspensão muito dura, mas isso não quer dizer que a Ferrari é ruim. Isso é normal. Folha - Algum cliente já mostrou algum tipo de preconceito pelo fato de vocês utilizarem ingredientes regionais, não tão nobres? Santini - O cliente que se dispõe a conhecer a cozinha de uma região precisa entrar na filosofia desta cozinha. É um prazer menos imediato. É necessário ligar o território à sua cultura para poder assim compreendê-lo. Quando alguém vai ao Brasil, seguramente a emoção é maior se come pratos regionais porque assim compreende a história, a cultura, a poesia. E a comida reúne tudo isso. O prazer pode não ser imediato pois o cliente pode provar algo que não conhecia, mas quando ele consegue desvendar esses mistérios alcança este prazer. Folha - O cliente deveria então ter um conhecimento da cultura do lugar? Santini - O turista gastronômico é, em geral, muito inteligente. Uma pessoa que está disposta a viajar é sempre muito inteligente. Quem viaja tem sempre um projeto cultural e a gastronomia é parte deste todo cultural. Texto Anterior: HISTÓRICO Próximo Texto: Peixes se multiplicam nos restaurantes da cidade Índice |
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