São Paulo, segunda-feira, 4 de setembro de 1995
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Sarney cria império de comunicação no MA

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quantas rádios e TVs a família Sarney controla no Estado do Maranhão? À luz dos dados oficiais do Ministério das Comunicações, é impossível responder a essa pergunta.
Oficialmente, a família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), possui apenas a TV Mirante, sediada em São Luiz e afiliada à Globo, e quatro rádios, sendo uma na capital e três no interior: Caxias, Pinheiro e Timon.
Na prática, a situação é outra. Há indícios fortes de que a família controla pelo menos mais quatro TVs -em Santa Inês, Codó, Imperatriz e Timon- e várias rádios no interior do Estado.
Durante sua gestão como presidente da República (1985-90), Sarney distribuiu 1.028 concessões de rádio e TV, e outras 65 foram aprovadas pelo Congresso. O Estado do Maranhão recebeu perto de 30 concessões.
O número não chamaria a atenção, exceto por um detalhe: pelo menos 16 foram parar em mãos de pessoas diretamente ligadas à família. O deputado Albérico França Filho (PMDB-MA), primo de Sarney, recebeu três rádios.
"Pelo menos 80% das rádios e TVs do Estado são, direta ou indiretamente, controladas pela família Sarney", diz Ricardo Murad, que desde a eleição do ano passado se tornou uma versão maranhense de Pedro Collor.
Tal como Pedro Collor, que com suas denúncias contra PC Farias corroeu a credibilidade de seu irmão e então presidente Fernando Collor, Ricardo Murad dispara contra os Sarney com as credenciais de quem faz parte da família.

Denúncia de irmão
Seu irmão, Jorge Murad, é marido da governadora Roseana Sarney, e sua irmã Tereza é casada com Fernando Sarney, segundo filho do senador e responsável pela administração do grupo Mirante de comunicação.
"Sarney dava as concessões para o Maranhão, e Fernando fazia a distribuição no Estado. Muitas foram registradas em nome de amigos dele, que funcionaram como testas-de-ferro", diz Ricardo, ele próprio dono de uma antiga estação de rádio em Codó.
Descontados os prováveis exageros cometidos por Ricardo Murad, adversário político da família, sobram muitas suspeitas de que o império de comunicação de Sarney é muito maior do que mostram os números oficiais.
Principal indício: em outubro de 1993, o Ministério das Comunicações entregou à Assembléia Legislativa do Maranhão cópias das fichas das empresas e seus respectivos sócios com concessão de rádio e TV no Estado.
O endereço de seis empresas que receberam concessões no governo Sarney coincidiam com o da TV Mirante (avenida Ana Jansen, 200), embora nenhum dos sócios tivesse o sobrenome Sarney.
Uma dessas empresas, Itapicuru, recebeu duas concessões de TV, uma em Codó e outra em Santa Inês, hoje afiliadas à Globo.
Para o Ministério das Comunicações, os sócios das duas TVs se chamam Jurandy de Castro Leite, Nagib Haickel Filho e Carlos Cezar Branco Bandeira.
No ano passado, o diretor da emissora de Santa Inês, Luiz Brasília, derrubou, sem querer, a versão existente no ministério. Indagado sobre o sócio controlador, respondeu: Fernando Sarney.
Luiz Brasília disse que o nome de Jurandy de Castro Leite, que no cadastro do ministério aparece como principal sócio, nunca havia pousado sobre o sua mesa.
A exemplo de Antônio Carlos Magalhães, José Sarney sempre fez questão de dizer que não possui nenhuma empresa de rádio e TV e que os sócios do sistema Mirante são seus filhos.
Fernando Sarney já admitiu publicamente que possui 70% das ações de uma TV, também afiliada à Globo, em Imperatriz (segunda cidade do Estado em população), embora seu nome não apareça entre os sócios da empresa.

Sócio informal
Essa confusão entre sócio formal e dono de fato surgida no Maranhão criou situações embaraçosas para as partes envolvidas.
Durante o segundo turno da campanha eleitoral para governador do Estado, em 94, o deputado federal Antônio Joaquim (PFL) disse à Folha, entusiasmado, que iria inaugurar em breve a TV de Codó, da qual ele e Fernando Sarney eram sócios em partes iguais.
Neste ano, dias depois de o ministro Sérgio Motta ter assumido o cargo, criticando o uso político das concessões nos governos anteriores, Joaquim se enrolou ao ser novamente indagado sobre a TV.
Disse que ainda estava formalizando sua entrada na empresa e que não se lembrava quem eram os outros sócios.
Emissoras de rádio e de televisão sempre exerceram grande fascínio sobre os políticos, em particular no Norte e Nordeste, porque são a arma mais poderosa nas campanhas eleitorais.
Há indícios de que o senador Epitácio Cafeteira (PPR-MA), maior adversário de Sarney no Estado, teria sido o dono de fato da TV Difusora, afiliada do SBT, durante os quatro anos (1986-90) em que governou o Maranhão.
Ele apresenta uma versão curiosa para os fatos. Diz que quando deixou o governo, já eleito senador, o proprietário da emissora, William Nagen, lhe perguntou se ele não queria comprar a TV.
Cafeteira diz ter respondido que não tinha dinheiro para negócio tão grande, mas que poderia ajudá-lo a encontrar quem tivesse. Nagen, segundo Cafeteira, teria lhe prometido comissão caso encontrasse comprador e lhe deu um contrato assinado de promessa de compra e venda.
Pouco tempo depois, Edinho, filho de Edison Lobão, que sucedeu Cafeteira no governo do Estado e hoje é senador pelo PFL, comprou a emissora.
Segundo Cafeteira, o negócio foi fechado diretamente entre Edinho e Nagen, mas, para resgatar o contrato em seu poder, lhe pagaram uma comissão equivalente a "um velho prédio de apartamentos" na Barra da Tijuca, no Rio, e uma quantia em dinheiro da qual ele não se recorda o montante.
Em todo o país, não só no Maranhão, políticos usam contratos de promessa de compra e venda para controlar emissoras.

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