São Paulo, terça-feira, 5 de setembro de 1995
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PIER PAOLO PASSOLINI

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

O cineasta e escritor italiano Marco Tullio Giordana, 43, apresentou no último sábado, na mostra competitiva do Festival Internacional de Cinema de Veneza seu "Pasolini - Um Delito Italiano", filme baseado em livro homônimo, também de sua autoria.
A exibição serviu para o anúncio oficial da reabertura do processo que investiga a morte do cineasta e escritor Pier Paolo Pasolini. O anúncio foi feito por Nino Marazzita, advogado da família Pasolini.
Pasolini foi brutalmente assassinado na noite entre o dia 1º e o dia 2 de novembro de 1975. Naquela ocasião, o menor Giuseppe Pelosi confessou ser ele o único responsável pelo crime (versão que sustenta ainda hoje). Pelosi foi condenado, mas o processo não esclareceu várias circunstâncias do crime.
Em entrevista à Folha, de Roma, por telefone, Giordana falou sobre seu filme e sobre a relação da imprensa e da sociedade italiana com o assassinato do poeta.
Folha - Você já fez um filme sobre Pasolini, "Maledetti, Vi Amer•", que também falava de Pasolini...
Marco Tullio Giordana - Sim. Realizei-o em 1979, cinco anos depois do assassinato de Pasolini, e eu sentia que sua morte era a eliminação de uma inteligência capaz de explicar o que estava acontecendo na Itália naqueles dias. Era o começo do terrorismo.
Folha - E porque voltar ao mesmo assunto quinze anos depois?
Giordana - Agora é um ponto de vista totalmente diferente. Naquele filme, Pasolini aparecia na imaginação do protagonista do filme. Hoje ele é o centro.
Folha - Qual foi o papel da imprensa durante o processo contra Giuseppe Pelosi? As preocupações dos jornalistas Oriana Fallaci e Mauro Volterra, por exemplo, eram apenas profissionais ou pessoais?
Giordana - Na minha opinião eles chegaram muito perto da verdade. Tanto isso é verdade que me impressiona saber que Mauro Volterra morreu em circunstâncias muito misteriosas.
Folha - Como foi?
Giordana - Foi considerado suicídio. Foi encontrado uma manhã, como se tivesse caído da janela. Ele morava no quarto andar. Ninguém viu ou ouviu nada. Mas não existia nada em sua vida que levasse a pensar em suicídio. Isto não quer dizer que exista uma relação entre sua morte e o caso pasolini, ainda mais porque Mauro Volterra fez investigações sobre o serviço secreto, o neofascismo, coisas muito perigosas.
Folha - Você sustenta a tese de que estes crimes estabelecem relações simbólicas com a sociedade, que transmitem mensagens. Quais seriam elas no caso de Pasolini?
Giordana - A mensagem, antes de tudo, é o ódio em relação à diversidade, em relação à homossexualidade e sobretudo em relação a uma pessoa que era estranha ao poder, muito crítica e muito influente. O que mais dava medo em relação a Pasolini era o fato de que os jovens o seguiam, eram encantados com ele.
Folha - Você pensou no livro "Il Caso Moro", do escritor siciliano Leonardo Sciascia, quando escreveu "Pasolini, un Delitto Italiano"?
Giordana - Não pensei, mas é um livro muito importante para mim. Cheguei a citar frases deste livro no meu primeiro filme, "Maledetti Vi Amer•". É um livro belíssimo, muito importante. É um ensinamento de como usar a inteligência e a paixão civil.
Folha - O assassinato público de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas não foi um crime muito mais significativo para a sociedade italiana e para a sua classe política que o de Pasolini?
Giordana - No momento, sem dúvida, à medida que causou uma impressão enorme em todo o mundo. Mas o de Pasolini, mesmo sendo menos clamoroso e aparentemente menos político, no final, ficou na memória dos italianos com o mesmo peso e horror.
Folha - Existiria alguma relação entre os dois crimes?
Giordana - Eu não faria afirmações que não pudesse provar. Posso falar das minhas sensações. Acho que existem conexões. Aldo Moro era um homem político, da Democracia Cristã, que queria levar a esquerda para o governo. Sabia que a Itália precisava de reformas muito profundas e foi morto por isso. Porque o bloco econômico conservador não queria estas mudanças. Pasolini não tinha ligações diretas com a política, mas era o intelectual italiano mais empenhado politicamente, o mais inteligente, o mais polêmico. E sobretudo, nos últimos anos de sua vida, quando desmascarou todo este bloco político conservador. Existe uma conexão no sentido que Aldo Moro e Pasolini representam duas inteligências diferentes: uma política, mesmo com todos os compromissos da política; e outra artística e especulativa. Mas eram dois homens que queriam reformar profundamente a Itália.
Folha - A decapitação do doutor Aldo Semerari, em 1982, foi explicada? (Semerari foi indicado consulente psiquiátrico por parte de Pelosi; anteriormente havia escrito um parecer muito negativo a respeito da personalidade de Pasolini sem tê-lo conhecido).
Giordana - Foi explicada muito recentemente. Aldo Semerari era um perito psiquiátrico que tinha muito poder porque podia conseguir para o detento um tratamento mais favorável ao reconhecer nele um distúrbio mental. Ficou provado que ele colaborou com alguns chefes mafiosos e camorristas. Uma versão de sua morte é que tenha sido um conflito dentro da camorra, com os rivais de Rafaelle Cutolo, então chefe da Camorra e de quem Semerari era consulente. Semerari fez uma consulta favorável a um rival de Cutolo, chamado Amaturo, e parece que Cutolo se vingou daquela forma.
Folha - A sociedade civil italiana é impotente a ponto de não poder fazer nada diante de tantas contradições evidenciadas durante o processo ou não queria fazer nada mesmo?
Giordana - Acredito que naquele período a sociedade italiana estava muito espantada com a dureza do clima político. Para uma parte da opinião pública, o caso estava encerrado. Uma outra parte tentou continuar o processo, mas não estava no poder e, no final, vence quem detém o poder.
Folha - Você procura dar um caráter de documentário a seu livro e filme, mas você nunca falou com Pelosi...
Giordana - Não falei com Pelosi pois não havia falado com Pasolini. Queria ser absolutamente equidistante. Quis estudar este assunto como se fossem passados cem anos, como um arqueólogo e não como um jornalista que deveria colorir seus protagonistas.

Sobre o filme de Giordana e o Festival de Veneza na pág. 5-3.

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