São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Politicamente incorretas ignoram patrulhas

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Colecionar casacos de peles raras, desrespeitar o rodízio antipoluição de carros, adotar um modelo antifeminista na administração da casa e tomar sopa de tartaruga (ou comer bife de jacaré) não é coisa de gente pré-histórica.
Ao contrário do que se imagina, as mulheres politicamente incorretas não estão em extinção. Elas adoram uma provocação, desprezam a patrulha e avisam que vão continuar agindo como sempre.
"É uma questão de escolha", diz a decoradora Brunete Fraccaroli, 38, cinco casacos de pele. "Ou morre o animal, ou morro eu, de frio." Brunete é muito friorenta e usa seus casacos nas quatro estações do ano. "Quando durmo, mesmo no verão, costumo me cobrir com uma raposa que trouxe dos Estados Unidos."
A discussão sobre o que é politicamente incorreto, nesse caso, ultrapassa a ecologia. "Acho ridículo usar pele nesse calor", diz a socialite carioca Narcisa Tamborindeguy, 28, que só coloca o seu único visom quando viaja. Narcisa diz que não existe nada como um casaco de pele para enfrentar o "frio de verdade". "Adoro me enrolar no meu bichinho." Se aparecem patrulhas, ela muda o texto. "O bicho não ia morrer mesmo?"
A representante da marca italiana Fendi no Brasil, Flávia Rocha, 35, sustenta que a moda ecológica (imitação sintética da pele animal) "não pegou". "Quem diz que é cafona usar peles verdadeiras, é porque não tem dinheiro para comprar uma", afirma.
Os "pobres de espírito" (uma outra classificação dos patrulheiros para os politicamente incorretos) não costumam abrir mão de suas convicções. A comerciante Diva Martins, 35, por exemplo, furou o rodízio antipoluição de automóveis e justifica. "Acho muito engraçado esse surto de civilidade em uma cidade selvagem como São Paulo."
Diva tem três filhas, um carro e mora em uma rua afastada (no Morumbi). Seu dia de deixar o carro em casa era quarta-feira (placa final 5), mas ela ignorou. "Sou radicalmente contra."
Radicalismos não levam a nada, na opinião da "dona-de-casa assumida" Gisela Trussardi Rudge, 34. Ela trafega em outra contramão -a das mulheres que discordam do modelo politicamente correto de feminismo.
Gisela é casada há 15 anos, tem quatro filhos e nunca trabalhou fora. "Quando há necessidade financeira, acho que a mulher deve trabalhar. Mas se é por luxo, de jeito nenhum. A gente tem muita coisa para fazer em casa."
Lutas como a da mulher no mercado de trabalho, tema da recente Conferência Mundial da Mulher, em Pequim (China), estão fora de cogitação para ela. "A sabichona que quer competir com o homem vive estressada. Só pensa em subir na carreira e nunca vai ser uma boa esposa." Ela contrapõe isso à sua situação. "Aqui em casa, se não tem ninguém doentinho, é uma felicidade."
A astróloga Angela Barreto, 50, não chega a ser "do lar", como Gisela, mas também acha "um horror" o discurso feminista -ou qualquer outro tipo de militância. A das carnes em extinção ela considera particularmente "hipócrita". "Existe coisa mais 'viking' do que churrasco de boi?" Angela é uma ex-vegetariana arrependida, que hoje relaxou.
"Tomo sopa de tartaruga, como jacaré, arraia e baleia. Desde que o prato tenha uma apresentação legal, acho a maior graça."
A banqueteira Nina Horta também se diverte com as patrulhas. "No ano passado, o assunto do Simpósio de Oxford (Reino Unido) foi comida em extinção. Chorou-se pelos carneiros rabudos do Oriente Médio e pelo sagu do miolo da palmeira da Malásia. Quanto mais se falava do assunto, mais o povo ia ficando com fome. No fim, saiu todo mundo correndo atrás de exotismos em extinção na seção de comidas da Harrod's."

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