São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A crise é localizada... no Brasil

LUÍS NASSIF

Vinte e seis séculos depois de Pitágoras, meus amigos economistas do governo reescrevem seu teorema. "Dêem-me um bom argumento, que eu arrebento com a economia sem que ninguém se dê conta", parecem querer dizer.
Não há dado objetivo da realidade que resista à sua lógica. Se uma velhinha for estuprada em plena avenida Paulista, e se considerar que o episódio possa ter conotação inflacionária, serão capazes de convocar uma coletiva para provar cabalmente que o estuprador limitou-se a desinercializar a velhinha. E quem disser o contrário, é coveiro do Real.
A coletiva convocada na quinta-feira -onde se mobilizou grande parte da equipe aparentemente para responder às críticas da coluna- foi um primor do melhor sofisma economicista. Toma-se qualquer argumento capenga, embala-se em voz grave e termos técnicos e a bugrada cai de joelhos, da mesma maneira que nossos antepassados, quando confrontados com Caramuru.
Quando começou a quebradeira, a partir de janeiro, passaram batido porque Nordeste e interior -onde a crise se manifestou primeiro- são regiões pouco dotadas de estatísticas e de eco na grande imprensa.
Em maio, quando a crise aumentou, alegaram que era fenômeno localizado, que atacava exclusivamente inimigos do Real.
Agora, com a crise espalhando-se por todo o PIB industrial, o secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, constata que o fenômeno está localizado... em São Paulo, que responde por mais de 50% do PIB brasileiro!
Crise localizada
Na mesma noite conversei com membro da equipe presente à coletiva, pessoa de minha estima e consideração. Como só São Paulo? E o interior que quebrou muito antes? O interior é um caso localizado, porque reflete a crise da agricultura, respondeu ele.
Portanto, têm-se casos localizados em São Paulo, em todo o interior, no Nordeste (que quebrou antes), no Sul e no Centro-Oeste (que dependem da atividade agrícola). Conclusão: a crise se localiza exclusivamente no Brasil. Brasília está fora.
Desde maio, o presidente da Fiemg-Federação das Indústrias de Minas Gerais (uma das supostas ilhas de prosperidade, mencionadas por Mendonça de Barros) vem alertando o governo para a crise que se abateu sobre a economia estadual.
Diz Mendonça de Barros que a onda de desemprego registrada pela Fiesp reflete apenas o aumento da terceirização e do setor terciário. Sorte sua que esse enunciado não foi formulado em sala de aula. Só a licença política justifica uma pessoa de seu nível tomar um dado que explica mudanças estruturais de emprego ao longo dos anos para justificar cem mil desempregados nos últimos dois meses.
Torquemada
Alguns meses atrás, o intelectual Pedro Malan produziu uma das melhores análises recentes sobre o papel da imprensa, onde deplorava a nova velha mania nacional de, em toda discussão, procurar-se desqualificar o interlocutor, em vez de rebater argumentos.
Dentro dessa visão acurada, como o intelectual Pedro Malan qualificaria a conduta do ministro Pedro Malan, tachando os críticos da política econômica atual de "coveiros do Real"?
Espera-se que em sua viagem a Genebra, longe do burburinho do dia-a-dia, o ministro Malan tenha tempo de refletir sobre sua manifestação, e mostrar-se à altura do intelectual Malan.
Sebrae
Em apenas oito meses, a politização do Sebrae -com o acordo político que levou à superintendência da instituição o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Itamar- conseguiu estragar uma imagem forjada em quatro anos de trabalho sério.
O Sebrae do Rio Grande do Sul foi o primeiro órgão estadual a se insurgir contra essa politização espúria do órgão. Espera-se que outros Sebraes sigam o caminho, e que o Conselho Nacional tenha a responsabilidade, perante seus pares, de expurgar vez por todas a politização que contaminou o órgão.
Imagem externa
Não há como deixar de reconhecer que as viagens do presidente ao exterior têm trazido benefício considerável à imagem do país no mundo.

Texto Anterior: Agências multilaterais divergem sobre crise
Próximo Texto: AÇÕES; CHEQUE; CARTÕES
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.