São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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'Aristocracia caipira' muda história do pólo

MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A COLINA (SP)

Há uma divisão sacrossanta no pólo brasileiro: caipira e burguês não se misturam.
Caipira é o jogador do interior de São Paulo, quatrocentão de quatro costados que diz ter nascido em cima de um cavalo. Burguês é cavaleiro de fim-de-semana, paulistano e rico há menos gerações que os quatrocentões.
Os caipiras lavaram a égua. Contra todas as previsões, ganharam o 4º Campeonato Mundial de Pólo, disputado em Saint-Moritz, na Suíça, no dia 30 de julho. Venceram a Argentina, a melhor seleção do mundo há 50 anos.
Segredo? "Foi a raça caipira", diz Sylvio Junqueira Novaes, 45, técnico da seleção de pólo, uma espécie de futebol a cavalo.
Caipira, aqui, não tem nada a ver com a definição habitual do termo -"habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos e canhestros", segundo o dicionário Aurélio.
Nada disso. Do campo eles são, mas são também uma espécie de aristocracia. Veja o caso de um dos cachorros de Novaes, dono de duas fazendas, com laranja e gado. É um labrador, filho de cadela premiada, batizado de Anthony. A pompa não resistiu à porteira da fazenda. Chamam o cachorro de Tonho. Caipira do pólo é isso.
A tradição
Pólo custa caro. Cavalo puro-sangue inglês custa cerca de R$ 3.000. Os apetrechos não saem por menos de R$ 1.000. É por isso que sempre esteve associado a aristocratas ociosos.
"No interior não tem disso, não tem esnobismo", diz José Eduardo Diniz Junqueira, 32, titular da seleção. "Ninguém jogo pólo para dizer que joga. Joga porque gosta de cavalo e é tradição de família."
Com os Novaes a tradição vem de 1926, quando o pai de Sylvio fundou o clube de pólo em Colina, a 405 km de São Paulo.
Usavam o cavalo na caça ao veado, até que chegou um certo Cid Castro Prado, com tacos e bolas trazidos da Inglaterra.
A caça ao veado está proibida, mas os Novaes estão na quarta geração de jogadores de pólo. Olavo, 17, filho de Sylvio, era titular na seleção campeã mundial.
Junqueira serve para ilustrar a segunda variável da equação -a paixão pelo cavalo. Dirige uma usina de álcool e açúcar e uma fazenda de cana. Tem 1.700 funcionários. Se quisesse, poderia vistoriar a plantação de helicóptero. Diz que muitas vezes prefere o cavalo ao carro. "É o nosso jeito", diz.
O resultado disso tudo é que as cidades de Colina, Orlândia e Franca têm cerca de 110 jogadores de pólo -estima-se que há 400 adeptos do esporte no país.
Descrédito
Parece que ninguém sabia disso quando a seleção foi para a Suíça, sem um mísero patrocínio.
Ubajara Alves de Andrade Jr., 29, um dos titulares da seleção que vive em Orlândia, onde seu pai tem fazenda de cana e de soja, diz ter desembolsado R$ 4.000 para disputar o título -valor similar ao gasto pelos outros atletas.
Luis Carlos Figueira de Mello, 22, "um aristocrata falido", como se define, teve que vender 2 dos seus 20 cavalos para ir à Suíça. Um deles era sua melhor égua, mas ele não se arrepende: "Pólo é a melhor coisa que tem para se fazer vestido", diz, repetindo um bordão das estrebarias chiques.
O descrédito chegou ao ápice em Saint-Moritz. Uma revista alemã dizia que o Brasil não passaria pela Inglaterra e pela Índia e que estava no Mundial para ganhar experiência. Venceram ambos, mais México, Suíça e Argentina.
Os alemães talvez não soubessem o que é que o interior de São Paulo tem. Lá, não se acompanha só a última inovação tecnológica da Califórnia para o plantio de laranja. A parabólica caipira segue as novidades do pólo mundial.
Na fazenda de Novaes, por exemplo, desembarca todo ano um jogador inglês. Vem ensinar e aprender. O próprio Novaes tem uma experiência internacional que foi decisiva para a conquista do Mundial, segundo os jogadores.
Jogou na Inglaterra durante oito temporadas. O príncipe Charles era um dos seus companheiros de time. "Era muito bom, mas não melhor do que eu. Ele tinha handicap quatro e eu, oito", conta.
Handicap é a pontuação que uma comissão atribui a um jogador por causa do seu desempenho.
Novaes conheceu também a rainha Elizabeth 2ª, de quem recebeu um troféu ao vencer a Coronation Cup em 1984. "Ela entende de cavalos. Minha égua ganhara dois prêmios no mesmo ano e na segunda vez ela falou: 'Essa égua de novo?' Não era uma égua fácil de ser reconhecida."
Com essa cancha, Novaes notou que a Argentina sempre ia mal nos dois primeiros tempos dos seis disputados e tentou arrasar o adversário no começo. Deu certo. O Brasil começou vencendo por 3 a 0 e o placar final marcava 11 a 10.
Os argentinos querem revanche. Vão ter que esperar até 96. Ninguém ganha nada no time brasileiro, enquanto profissionais embolsam até USŸ 100 mil por temporadas de quatro meses na Europa.
"Os meninos não podem largar o trabalho na fazenda só porque os argentinos querem", diz Novaes.

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