São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Encontro discute Eça de Queirós

MANUEL DA COSTA PINTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A partir de amanhã, ensaístas e críticos literários de Brasil, Portugal, Itália, França e Inglaterra reúnem-se em São Paulo para celebrar os 150 anos de nascimento do maior escritor português do século 19: Eça de Queirós.
O Terceiro Encontro Internacional de Queirosianos, promovido pelo Centro de Estudos Portugueses da USP, é o primeiro realizado fora de Portugal (os dois anteriores aconteceram nas cidades do Porto, em 1988, e Coimbra, em 1992).
Para os admiradores de Eça de Queirós, o evento será a oportunidade de ver sua vida e obra dissecadas a partir de múltiplas perspectivas -por meio de análises estilísticas de romances e contos, de pesquisas sobre suas correspondências ou sobre sua obra jornalística.
Com 112 queirosianos participando de suas mesas-redondas e comunicações, o encontro trará alguns dos mais importantes críticos literários de Portugal.
Duas das principais apresentações acontecem na terça-feira, às 11h. No anfiteatro do prédio de história (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), o linguista e historiador da literatura portuguesa Óscar Lopes (autor de um estudo sobre Guimarães Rosa, "Ser e Depois) fala sobre "Jesus e o Diabo em Eça de Queirós.
Sua análise enfocará representações de Cristo presentes em "A Relíquia e das imagens de Mefistófeles em obras como "O Primo Basílio e "Os Maias (romance de 1888 que será transformado em novela pela rede Manchete).
No mesmo horário, o anfiteatro da geografia recebe aquele que é possivelmente o mais importante intelectual vivo de Portugal: o ensaísta, crítico literário e filósofo Eduardo Lourenço.
Lourenço se notabilizou, durante as décadas de 50 e 60, por uma reflexão de cunho existencialista sobre temas como ideologia e ética, moral e estética -a exemplo do livro "Heterodoxia.
Apesar disso, ele é mais conhecido como estudioso da literatura, em especial da obra do poeta Fernando Pessoa, sobre quem escreveu "Fernando Pessoa Revisitado. Em sua participação no encontro, Eduardo Lourenço falará sobre "O Tempo de Eça e Eça e o Tempo.
Ao lado destas análises centradas no universo de personagens e tramas ficcionais criados por Eça de Queirós, o evento traz leituras não estritamente poéticas de sua obra -como a de Pedro Luzes (presidente da Sociedade Portuguesa de Psicanálise), que tratará do erotismo na vida e na obra do escritor, ou do professor Alan Freeland (Universidade de Southampton), que investiga a presença da sociedade inglesa do século 19 em seus livros.
Assim como os grandes romancistas do século 19 -Balzac, Flaubert, Dickens, Dostoiévski ou Tolstói-, Eça de Queirós procurou amplificar ao máximo a tensão entre a linguagem artística e outras formas de representação (história, ciência, sociologia etc.), tentando absorver todos os domínios do real por meio da tessitura narrativa de romances por isso denominados "realistas ou "naturalistas.
Daí a presença simultânea, em seus livros, da crítica às instituições e aos costumes portugueses, (como em "O Crime do Padre Amaro, de 1875, e "O Primo Basílio, de 1878), da análise psicológica e da tentativa de compreender e desenhar a sociedade nos termos positivos de uma oposição entre metrópole e província, modernidade e arcaísmo (tema dominante de "A Cidade e as Serras, publicado em 1901).
Em todos, porém, prevalece uma visão pessimista de Portugal e da sociedade em geral, de uma realidade amesquinhada, "flaubertiana, em que a tragédia se dilui em comédia -um dos aspectos, aliás, da leitura de "Os Maias que será apresentada pelo crítico brasileiro João Alexandre Barbosa.
Obviamente, o distanciamento crítico da sociedade e a visão cruel das relações afetivas (consumada no tema recorrente do adultério) pode ser atribuído também a alguns traços biográficos desse escritor que nasceu em 1845, em Póvoa de Varzim, como filho ilegítimo de pais que só viriam a se casar dez anos depois.
Formado em direito, Eça de Queirós vai para Lisboa em 1866, onde desenvolve uma intensa atividade jornalística, animando a boemia literária da cidade e criando (com Antero de Quental e Batalha Reis) a figura do "poeta satânico Fradique Mendes.
Em 1872, começa uma carreira diplomática como cônsul que o mantém frequentemente longe de Portugal até sua morte, em Paris, no ano de 1900.
Mesmo à distância -ou talvez por causa dela-, Eça de Queirós acabou sendo o melhor intérprete da posição periférica de Portugal na Europa.
Para este anti-romântico, porém, a percepção da incômoda condição de seu país podia bem ser uma metáfora, a imagem concentrada de um drama mais amplo e universal: a distância irônica entre a realidade e o sonho da realidade.
Se o caráter multifacetado dessa obra justifica assim diferentes abordagens teóricas, gera também um intenso movimento editorial.
Na abertura do Terceiro Encontro Internacional de Queirosianos, amanhã, às 18h, na Biblioteca Mário de Andrade (região central de São Paulo), será lançado o volume "Textos de Imprensa - 6 (Da 'Revista de Portugal'), com parte dos textos jornalísticos do escritor.
O título foi preparado por Maria Helena Santana (Universidade de Coimbra) e faz parte do monumental trabalho de edição crítica das obras de Eça de Queirós coordenado pelo professor Carlos Reis (também de Coimbra), que abre o encontro.
Até agora, já foram lançadas, sempre pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda de Portugal, as edições críticas dos romances inacabados "A Capital! e "Alves & Cia. (preparados por Luiz Fagundes Duarte), e do conto fantástico "O Mandarim, em edição da professora Beatriz Berrini (USP) -que também prepara a reedição das obras completas de Eça de Queirós, a ser publicada em novembro pela editora Nova Aguilar.
O próximo volume, previsto para o ano que vem, é "Textos de Imprensa - 4 (Da 'Gazeta de Notícias'), preparado pela professora Elza Miné (coordenadora do encontro) e pela pesquisadora Neuma Cavalcante, ambas da USP.
O livro, com os textos que Eça de Queirós publicou na "Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) entre 1880 e 1897, realça dois aspectos menos comentados da obra do escritor: a atividade de cronista e sua relação com o Brasil.
Por sua importância, enfim, esta edição crítica será um dos temas centrais evento, que vai até a quinta-feira, dia 21.

ONDE SE INSCREVER
As inscrições para o Terceiro Encontro Internacional de Queirosianos podem ser feitas até amanhã no Centro de Estudos Portugueses da USP (av. Prof. Luciano Gualberto, 403, São Paulo, tel. 011/211-4214, fax 011/818-5035). A taxa é de R$ 30,00; estudantes pagam R$ 15,00.

Texto Anterior: JIM AND THE DEAD MAN
Próximo Texto: Data motiva lançamentos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.