São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Reunião da ONU sobre a mulher traça o mapa-múndi do feminismo

JAIME SPITZCOVSKY

JAIME SPITZCOVSKY; SUZANA SINGER
DE PEQUIM

SUZANA SINGER
A Quarta Conferência Mundial da Mulher, encerrada anteontem, não serviu só para traçar um roteiro de medidas em busca da sonhada igualdade. O encontro também evidenciou o mapa da geopolítica do feminismo, ao dividir os países entre "liberais" ou "conservadores" e "passivos" ou "ativos".
O divisor de águas entre "liberais" e "conservadores" foram valores religiosos, enquanto em Nairóbi (Quênia), na terceira conferência (1985), o debate colocou países industrializados contra países em desenvolvimento.
Os "liberais" de Pequim queriam que o documento final do encontro contemplasse explicitamente direitos das homossexuais e que enfatizasse combate e prevenção da Aids. Já os "conservadores", católicos ou muçulmanos, criticavam essa agenda como "obsessivamente preocupada com sexo".
O documento final trouxe concessões mútuas, com leve vantagem para os "liberais". Estes não emplacaram teses ousadas, mas puderam trazer ao debate temas antes exorcizados pelos religiosos.
O "liberais" tiveram como locomotiva os EUA. Participaram do lobby nomes como Betty Friedan, matriarca do feminismo, e Bella Abzug, ex-deputada e figura histórica do movimento.
Até mesmo a primeira-dama Hillary Clinton passou dois dias em Pequim para fazer pressão. Os republicanos aproveitaram para atacar o perfil da delegação, dominada pelas posições dos democratas.
A União Européia atuou como um bloco sólido em defesa da "plataforma liberal". Mesmo italianas, espanholas e portuguesas, de tradição católica, defenderam os direitos das homossexuais, flexibilizando a posição só nas últimas horas para chegar a um acordo sobre o texto final com o Vaticano e os países islâmicos.
Canadá, África do Sul e Austrália, com a Nova Zelândia de coadjuvante, formaram mais um pólo "liberal". Brasil e Israel marcaram posição ao defenderem uma agenda pouco palatável a padres e rabinos mais conservadores.
Desde o início, o Vaticano procurou desfazer a idéia de uma ação conjunta com países islâmicos. Mas o que se viu foi a coincidência de interesses entre forças guiadas por dogmas religiosos.
O Vaticano, preocupado em evitar desgaste, preferiu os bastidores. Deixou que os aliados latino-americanos defendessem as teses antiaborto e a visão conservadora nos debates de Pequim.
A Argentina surpreendeu até o Brasil, com quem dividiu reuniões preparatórias à conferência, por seu conservadorismo.
O Vaticano também contou com o auxílio de delegados do Equador, Guatemala e Paraguai. O "campo conservador" se completava com o mundo islâmico.
Algumas delegações se mostraram aguerridas, com participação maior do que se imaginaria pelo peso político e econômico de seus países. O africano Benin, por exemplo, teve atuação destacada.
O time dos "ativos" contou ainda com a Finlândia, com tradição de vanguarda no feminismo.
A anfitriã China liderou a lista dos "passivos". Quis sediar a reunião como forma de mostrar que pode organizar eventos internacionais e, assim, fortalecer sua candidatura a sede de uma Olimpíada.
As chinesas quase não participaram, sinal de que a China não está muito interessada no que chama de "interferências" em assuntos internos. O país recebeu sérias críticas a seu sistema de controle de natalidade, e o governo já disse que não abre mão dessa política.
Dois gigantes se tornaram anões na hora da discussão. O Japão e Rússia.

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