São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 1995
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O Haiti também é aqui

GILBERTO DIMENSTEIN

Na primeira coluna enviada de Nova York, expliquei por que me sentia em casa tantas eram as cenas de subdesenvolvimento e violência -mas a cidade também não precisava exagerar nos gestos de familiaridade.
Com o rosto desfigurado por pancadas e o corpo indicando abuso sexual, Maria Monteiro foi encontrada, segunda-feira passada, à beira de uma bucólica queda d'água no Central Park, onde costumava correr. Ela é mais uma evidência de que se pode falar tudo dos Estados Unidos. Menos que sejam um país civilizado.
Melhor dizer que são um país de extremos -o extremo da barbárie convive com o extremo da sofisticação tecnológica. O estupro é um ótimo exemplo.
De acordo com o FBI, a polícia federal americana, são cometidos 100 mil estupros por ano nos Estados Unidos. Esse número pula para 130 mil nos documentos do Departamento de Justiça e explode ainda mais nas contas de entidades feministas: 700 mil, o que daria aproximadamente um estupro a cada 30 segundos.
Ou seja, quase o tempo de se ler o texto até esse parágrafo.
Não é à toa que, no meio acadêmico, existe interesse sobre as descobertas pedagógicas feitas no Brasil sobre como lidar com a violência de meninos e meninas de rua. Os números, aqui, são gigantescos. No geral, mostram fracasso no combate à delinquência infanto-juvenil.
Todos os anos são registrados 3 milhões de crimes nas 85 mil escolas públicas americanas. O homicídio é a principal (repito: principal) causa de morte entre negros de 15 a 24 anos.
Por isso, poucas coisas são mais ridículas do que o deslumbramento misturado ao complexo de inferioridade dos turistas/sacoleiros e socialites que viajam para Nova York. É como se precisassem respirar "civilização. Aliás, se é para comer fora, bastaria ir ao Massimo, em São Paulo, e economizar o bilhete.
PS - Conversei com repórteres policiais e obtive mais um sinal de "civilização. A cidade ficou abalada porque o crime foi no Central Park, onde a branca classe média se diverte. Seria ainda maior se a vítima não fosse latina. Os brancos aqui encaram os latinos como os paulistanos encaram os nordestinos.

Por falar em barbárie, a Igreja Católica dá mais uma vez prova de insensatez, em se tratando de saúde reprodutiva. Basta ver a reação à publicidade destinada a disseminar o uso da camisinha. Um bispo teve o desplante de dizer que a campanha aproxima os homens do "inferno". Certamente a Aids ou a gravidez precoce aproximam a humanidade de Deus.

Aviso aos usuários de computador. Pesquisadores descobriram que faz mal à saúde manter a tela do computador na mesma linha dos olhos. O ideal é que a tela fique abaixo e seja encarada por cima. Assim, evitaria dores no pescoço, por exemplo. Portanto, as cadeiras devem subir ou a mesa tem que descer.
PS - Pelo correio eletrônico fui indagado sobre como eu, um judeu, me sentia em Nova York, uma cidade com gigantesca população judaica. Resposta: às vezes, me sinto como se estivesse em outra ilha. Guarujá em época de temporada. Aliás, meu filho Gabriel, de 5 anos, talvez impressionado por esse ambiente, resolveu acrescentar uma dúvida à atormentada teologia judaica. No balancinho do parque, ele me perguntou: "Pai, você é judeu ou vegetariano?

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