São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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"Kids' não representa uma geração"

ERIKA PALOMINO; GEANE BRITO
DA REDAÇÃO

"Kids" é o mais importante filme sobre a juventude da temporada. Por enquanto, o mais importante já feito na década de 90. Mostra em tom de documentário a vida de um grupo de adolescentes que circula entre a cena de skate e das raves de Nova York.
Tem roteiro de um skatista de 21 anos, Harmony Korine, e direção do fotógrafo do underground (e agora cineasta) Larry Clark. Impressiona pela veracidade, pela ausência de juízo de valor sobre os personagens e por seu conteúdo cosmopolita: a juventude de "Kids" vive em todo o mundo -inclusive no Brasil.
Daí sua polêmica. O mundo dos adultos não quer acreditar que aqueles garotos possam existir de fato, na vida real.
"Kids" foi apresentado em Cannes em maio último, estreou em Nova York mês passado e, em São Paulo, foi exibido dentro da Mostra Banco Nacional de Cinema, há duas semanas. Tem previsão de estréia em circuito comercial dia 13 de outubro.
Leia a seguir trechos de entrevista exclusiva de Clark, concedida em NY.
(Erika Palomino)

GEANE BRITO
Nos anos 70, Larry Clark (hoje com 52 anos) fotografava o sexo, a droga e a decadência da juventude americana no coração de Oklahoma, em sua cidade natal, Tulsa, que batizou seu primeiro livro.
Seu segundo livro, "Teenage Lust" (Libido Juvenil), publicado em 83, reforçou a polêmica sobre seu trabalho. Numa sucessão de exibições, que inclui uma amostra de seu trabalho no Museu de Arte Moderna em Nova York, Larry Clark alcançou uma posição singular no círculo de arte internacional. Desde o começo dos anos 90, seu trabalho se tornou gradativamente vinculado à temática juvenil urbana.
Em "Kids" os jovens de Clark roubam, bebem, se drogam, transam sem camisinha, transmitem Aids e estão prontos para linchar qualquer um que os desafie.

Folha - Em "Kids" os personagens falam sobre sexo abertamente, como se estivessem sozinhos. Como atingiu esta intimidade com os garotos?
Larry Clark - Tentei fazer um filme sobre a realidade deles, usando a percepção do mundo que eles tinham. Adultos não estão neste mundo necessariamente. Eu me tornei muito amigo dos skatistas antes de fazer o filme. "Kids" foi uma eterna seleção de personagens, tentando educar os garotos em termos de disciplina, de horário e, ao mesmo tempo, me educando. É claro, que tudo tinha que ser relaxado, pois essa garotada é skatista. Se se sentem pressionados, deslizam como peixes. Encontrei o ator Leo Fritzpatrick quando ele tinha 14 anos, em uma competição de skate. Justin Pierce e Chloe Sevigny também.
Folha - Que tamanho era a sua equipe de filmagem?
Clark - Nós éramos uma equipe relativamente pequena. No set, ficávamos eu, o câmera, seu assistente, uma pessoa que refrescava a memória da garotada com o diálogo. Todo o resto da equipe ficava do lado de fora, só entrava quando eu gritava "corta". Como você deve ter percebido, todas as cenas principais se passam em espaços fechados.
Folha - Como foi que o sr. filmou as partes improvisadas?
Clark - O filme tinha pouca improvisação. Tudo foi escrito e, quando houve improvisação, as questões foram sugeridas pelo roteirista, Harmony.
Folha - Quanto tempo demorou para fazer o filme?
Clark - Harmony teve três semanas para me entregar o roteiro. Esse também foi o tempo de pré-produção. Filmei em três semanas.
Folha - "Kids" sempre foi um filme ou era outro projeto de fotografia em sua cabeça?
Clark - "Kids" nunca foi um projeto fotográfico. Eu estava cansado de fotografar, de fazer colagens e vídeos. Era hora para uma transição importante no meu trabalho.
Boa parte de minha produção em fotografia é biográfica. Esta é a razão pela qual meu trabalho é considerado psicoterapêutico. Fotografei o que senti que era importante, não só pela força absoluta das situações, mas também para minha saúde mental. O trabalho era a minha forma de libertação de um mundo alienante, especialmente em "Tulsa", pois eu estava afundando naquele mundo de drogas. Eu sempre me considerei um contador de histórias.
Folha - O sr. foi comparado aos cineastas John Cassavetes e Luis Bunuel. Houve influência?
Clark - Eu não sei se eles me influenciaram, mas certamente eles me inspiraram muito. Cassavetes foi uma grande inspiração para o meu filme. Quando me aproximei do roteirista Harmony Korine com a sua idéia de escrever um roteiro para um filme, disse a ele que a minha intenção era fazer "Shadows" (Sombras), que é um dos filmes de Cassavete que eu mais gosto. Meu filme recebeu uma cobertura agressiva da imprensa por razões diferentes. Para mim, eu só tinha que fazer um filme que nunca tinha sido feito.
Folha - O sr. assistiu a "Pixote", de Hector Babenco?
Clark - Sim. "Pixote" é outro filme muito importante para mim. É excelente. Babenco usou meninos de rua de verdade, como fiz no meu filme. É um filme muito conectado com o mundo do qual se originou. Considero "Pixote" um marco na história de cinema.
Folha - Foi importante que "Kids" tivesse uma mensagem?
Clark - O mundo do filme é o mundo no qual essa garotada vive. Muito embora eles não admitam, eles não usam camisinha. E a Aids é uma parte mal esclarecida, pois eles não querem conversar sobre isso, não querem se expor.
Folha - Como é o processo de fotografar realidade, e ao mesmo tempo tentar obter um resultado bonito, com uma preocupação estética?
Clark - Minha função como artista é confrontar a realidade. Tento contar a verdade que eu vejo, mas nunca consigo me desligar do fato que eu sou um artista visual.
Folha - Houve críticas de adolescentes que acharam que o filme era uma farsa. Qual foi sua reação ao ataque vindo de outros adolescentes?
Clark - Muitos deles acharam que aquilo não era realidade. E é verdade, o filme não é uma realidade absoluta. O filme não é sobre todos os adolescentes, pois eu não posso me responsabilizar pela representação de uma geração. Acho a polêmica muito positiva. Gostando ou não, todos querem falar sobre o filme. Imagino que a crítica seja parte de "Kids", mas não é um exercício intelectual meu, é uma reação intuitiva. Eu não sento e digo: "Agora vou criticar isso".
Folha - O próximo filme será sobre os pais desses garotos...
Clark - Muitos perguntam onde estão os pais no filme. Estão nas cenas do próximo capítulo...

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