São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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Gades teatraliza o flamenco e desenha cenário como um pintor

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gades teatraliza o flamenco e desenha cenário como um pintor
A Espanha gerou vários gênios da pintura. Na dança, Antonio Gades deve passar à história como personalidade única deste século. Além de teatralizar a essência das danças de seu país com maestria inigualável, o coreógrafo sabe explorar o espaço cênico com a sensibilidade de um grande pintor.
A temporada brasileira da Companhia Antonio Gades, que começou na última terça-feira no Teatro Municipal de São Paulo, onde fica até domingo, traz duas belas amostras da arte total perseguida por Gades.
"Carmen", também apresentada ontem e que será exibida ao ar livre em Campinas hoje, é preâmbulo para "Fuenteovejuna" (ou "Paixão Andaluza"), reservada para o fim-de-semana.
Já transformada em filme por Carlos Saura, "Carmen" faz do flamenco, uma das variedades da dança espanhola, o canal de expressão para o clássico escrito por Prosper Merimée em 1845.
O estilo Gades surge de imediato. Os personagens desta versão de "Carmen" são pessoas de qualquer época e lugar.
Bailarinos de todos os tipos físicos vestem jeans, camisas de uso cotidiano, roupas que os transformam em uma massa comum.
Em grupo, simulam cenas de rua ou os bastidores de artistas em ensaio. Irredutível, Gades não faz concessões ao virtuosismo. Ninguém assume ares de estrela em seu grupo.
Nem a própria Stella Arauzo, que interpreta Carmen.
Culto à juventude, exibicionismo puro também não têm vez. Gades não se importa em frustar quem quer ver apenas a eletricidade inerente ao flamenco.
Em sua versão de "Carmen" tudo se desdobra seguindo uma harmonia própria, coerente com o preciosimo que Gades impõe a cada cena, a cada gesto, a cada jogo de luz.
Para Gades, tornou-se missão tirar as máscaras que o flamenco foi adquirindo à medida que se transformava em atração turística. Em suas coreografias, o flamenco parece ter atingido um grau absoluto de despojamento e pureza.
Desmistificadora, a dança de Gades se processa através das sutilezas. Livre de maneirismos, se eleva à altura de uma arte universal.
Numa sucessão de imagens de beleza memorável, Gades utiliza poucos elementos cenográficos em "Carmen". Obtém excelentes resultados por meio de espelhos, distribuídos de diferentes formas, de acordo com a cena.
No papel de Don José, ele transmite a atmosfera de um quadro de Goya quando permanece imóvel, em frente a três espelhos que multiplicam sua imagem de amante vencido e solitário.
À coreografia conjuga-se não só a iluminação sofisticada mas a música, que intercala trechos da obra de Bizet e interpretações ao vivo de temas populares.
Mesmo a dramaticidade contida em "Carmen" ganha equilíbrio na estética de Gades. Abolindo apelos inúteis, ele faz do movimento vivo dos bailarinos, da música e da plasticidade cênica uma linguagem integrada.

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