São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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Museu mostra o negro nas artes

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma história iconográfica do preconceito racial no Brasil. É o que pretende a Pinacoteca do Estado de São Paulo com a exposição "Negro de Corpo e Alma", prevista para ser aberta em 17 de novembro, como comemoração aos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares.
Organizada pelo diretor da Pinacoteca, Emanoel Araújo, a exposição reunirá imagens do negro feitas desde o século 17 até hoje, nas artes plásticas e na imprensa. Araújo desenvolve essa pesquisa há mais de 20 anos e, para "Negro de Corpo e Alma", conta com a participação da antropóloga Maria Lúcia Montes, professora da Universidade de São Paulo.
Para Araújo, a exposição evidenciará o "fracasso da sociedade brasileira em vencer o estigma da escravidão", fracasso "que ainda se pode ver atualmente".
"O negro quase nunca faz retrato de si próprio na história brasileira", diz Araújo; "é sempre o branco olhando para ele." Desse fato, continua, decorre necessariamente que a representação do afro-americano no país tem sido apenas caricatural ou ambígua. "Quem mostra realmente a diferença", afirma, "é quem faz a diferença." Logo, na opinião de Araújo, apenas o negro pode combater o estigma de que sofre.
Araújo acha que a deficiência na representação vem da deficiência na realidade. "Na nossa história, mesmo negros importantes tiveram uma ascensão social incompleta", diz, "porque não conseguiram se expressar nem como brancos nem como negros."
Ele cita o exemplo do poeta simbolista negro Cruz e Souza (1861-1898), que teria tentado se expressar como branco -pois em sua obra é rara a referência ao universo cultural negro. "Quem melhor conseguiu falar do negro na poesia brasileira foi um branco, Jorge de Lima (1895 -1953). Seu poema 'Nega Fulô' é imbuído da alma negra."
Na pintura, Araújo diz que mesmo artistas negros como Aleijadinho (1730-1814) não ousaram representar o afro-americano.
A única exceção de artista negro que tenha retratado negros, segundo ele, foi o pintor paulista José Benedito Tobias -e não se trata de um grande artista.
A exposição mostrará esses e outros trabalhos dividindo-os em três seções, que ocuparão cerca de 2.000 metros quadrados.
A primeira, "Olhar o Corpo", trará imagens e textos criados por brancos, e objetos como os associados à prisão dos escravos.
Entre essas imagens, estão as caricaturas de Angelo Agostini publicadas na "Revista Ilustrada" entre 1886 e 1887, como parte da campanha abolicionista. Agostini defendia a abolição da escravatura, mas o tipo negro que retrata é, para Araújo, "marcado pelo estigma gerado pela própria escravidão".
Também nessa seção estarão as obras modernistas, de artistas como Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Lasar Segall, que usaram a imagem do negro mais "como metáfora do Brasil".
Haverá também obras como a de Modesto Brocos, "A Redenção de Cam", que alude ao "branqueamento" de uma família negra ao longo de três gerações como forma única de aceitação social.
Na segunda seção, "Olhar a Si Mesmo", estarão os retratos feitos por Tobias nas décadas de 20 e 30.
Ma terceira, "Sentir a Alma", ficará a produção de pintores, escultores e escritores negros. Estarão representados nela, além de Aleijadinho e Cruz e Souza, os "homens ilustres da raça negra" (como o tribuno José do Patrocínio), os artistas populares (como Agnaldo Manoel dos Santos) e os contemporâneos (Rubem Valentim, Genilson Soares, Helio de Oliveira e outros).
Dessa produção, é apenas na contemporânea que Araújo detecta "um sentimento de profunda identificação com as raízes africanas".

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