São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Educação, a nº 1

ANTONIO KANDIR

Anunciada há 15 dias pelo presidente Fernando Henrique, a proposta de criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Professor indica o caminho de grande avanço no campo da educação pública no Brasil.
Trata-se de proposta elaborada por iniciativa do ministro Paulo Renato e submetida a ampla discussão com secretários de Educação e representações do professorado de todo o país. A importância da proposta é dupla.
Em primeiro lugar, ela estabelece papel apropriado para o Ministério da Educação, como indutor e coordenador de processos de mudança da escola pública em âmbito nacional. Dá-se assim passo importante na reorganização positiva do federalismo brasileiro e promove-se ruptura com práticas clientelistas que caracterizaram a atuação do ministério no passado recente.
Em segundo lugar, ela cria condições para que se cumpra de modo efetivo a intenção de dar prioridade à melhoria do ensino fundamental, inscrita em termos vagos na Constituição de 1988 e até aqui não materializada na dimensão imposta pelos desafios do país neste final de século.
Os critérios da proposta são acertados e sua mecânica é engenhosa. Ela estabelece que 60% dos recursos de Estados e municípios já vinculados constitucionalmente à educação formem um fundo destinado ao ensino fundamental (1ª a 8ª série). Estabelece também que esses gastos não sejam inferiores a R$ 300,00/ano por aluno, ficando o governo federal incumbido de completar a diferença no caso de Estados e municípios que não consigam atingir esse valor.
Estabelece, por fim, que cerca de 60% do fundo seja investido na melhoria das condições salariais do professorado, definindo ainda que o acesso a recursos federais para fins de complementação do gasto estará condicionado a critérios mínimos estabelecidos em legislação federal quanto à remuneração e carreira dos professores.
A proposta permite atingir dois objetivos essenciais: i) assegurar recursos para que Estados e municípios, estes principalmente, possam assumir de fato a atribuição de oferecer ensino público fundamental de boa qualidade, criando-se assim condições efetivas para que a descentralização, tão importante para estabelecer a parceria entre escola e comunidade, possa efetivamente realizar-se; ii) disciplinar o gasto com a educação pública no Brasil, de modo a fazer com que os recursos alcancem realmente a sala de aula.
Esse último objetivo merece comentário. Dados e diagnósticos mostram que no Brasil não se gasta pouco com a educação pública. A questão está em que se gasta mal, ou seja, em desacordo com a necessidade, por todos percebida, de elevar expressiva e continuadamente a qualidade do ensino fundamental.
A Constituição de 1988, nos artigos 212 e 213, enuncia em termos vagos as competências específicas de União, Estados e municípios em relação ao ensino fundamental e define de modo muito impreciso o que sejam gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino. Resulta que o gasto com ensino público tem sido desproporcionalmente absorvido por iniciativas laterais à transmissão do conhecimento, bem como desproporcionalmente alocado em outros níveis de ensino que não o ensino fundamental.
A proposta de criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Professor faz frente ao problema e deverá ser acompanhada por lei complementar que discipline clara e especificamente a questão do gasto, para o que o papel do Congresso será muito importante.
Se efetivamente implementada em todos os seus desdobramentos, a proposta permitirá que seja no mínimo triplicado o gasto anual por aluno no ensino fundamental, hoje calculado em torno de R$ 100, com diminuição das disparidades regionais. Permitirá também substancial elevação do salário médio do professorado brasileiro, que em algumas regiões rurais do Nordeste não supera aviltantes R$ 30,00 mensais.
Trata-se, como disse de início, de imenso passo à frente no campo da educação pública no Brasil. Manifestação concreta do compromisso de melhorar para valer as condições de vida da grande maioria dos brasileiros e inserir o país de modo ativo e soberano no processo de globalização.

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