São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PARA MANUEL BANDEIRA, COM UM PRESENTE

ELIZABETH BISHOP

Eis, páginas abertas, os teus livros.
Desejo, é claro, agradecer-te, embora
não possa me esquecer de que nós dois
falamo-nos bem pouco até agora.

Dois poetas sem par, embaraçados,
porque trocar palavras é difícil.
Mas, como disse Joe McCarthy, "Nada
ouvi mais inaudito do que isso!"

Tradutor cada qual da língua do outro!
(Um título que julgo merecer.)
O maior, ainda jovem, esculpido
em bronze e já famoso em seu mister,

a quem a fama e Miss Brasil sorriram!
É homem de ficar sem dizer nada
quem, galante, verteu Elinor Glyn
numa prosa bem mais sofisticada -

e pôs na boca de Tarzã, que mal
falava, certa graça do latim,
refinando o selvagem de Edgar Burroughs?
É justo que se cale alguém assim?

Não sou, no que me tange, raconteur,
sou fraca em minhas réplicas não raro;
meus amigos, porém, de língua inglesa
receio que dirão que jamais paro:

que falo e falo sempre, às vezes dias
a fio, sem dar sinal de que a conversa
possa cessar, de que me conviria
trocá-la por qualquer coisa diversa.

Conversas e conversas que melaram!
Saibas porém: jamais achei que, para
dizer "Teu livro é bom; eu gostei muito",
damascos sejam a expressão mais clara;

tampouco me parece que a conserva
possa implicar: "Ofuscas teus rivais"...
Não acho não, porém recebe e passa
no pão meus elogios cordiais.

Que fale ao teu estômago de poeta,
Manuel, o doce mudo -docemente.
Aceita uma vez mais minha amizade
e um pote de geléia de presente.

Tradução de NELSON ASCHER
Para Flora Sussekind

Texto Anterior: Um poema de Bishop a Bandeira
Próximo Texto: A confiante entrega a uma tradição literária
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.