São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995 |
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Digressões de um sentimental
DANIEL PIZA
Mas não se deixe enganar. Há personagens, diálogos e historietas, mas não é a narrativa que é pontuada por digressões em clave lírica, e sim o contrário. A impressão é que Kundera se sentou e pensou: "Vou escrever sobre a incapacidade moderna para a paciência e contemplação". O tema, de fato, renderia uma novela filosófica interessante. Kundera nota que o prazer como perseguido pelos modernos é frenético, ansioso, descontrolado; e que no século 18, época do iluminismo e da libertinagem, não havia tal incompatibilidade. O problema é a execução. Kundera opta por descrever esquetes como o do entomologista que se considera um sábio e, durante uma palestra, é ofuscado por alguém a quem chama de "dançarino" -um fulano que só fala para as câmeras de TV, "um cabotino, um olha-eu-aqui". Está claro aonde quer chegar: "Mesmo quando fazemos uma guerra, nós a fazemos diante das câmeras". É essa espécie de platitude, de evasiva emocional, o que estraga Kundera e faz dele um best seller no mau sentido -que fala e fala sobre a melancolia da condição humana e, no final, reconforta os leitores com "esperanças". Ele já não compensa o defeito com as cenas que sabia criar, sobretudo as sensuais. É sugerido, por exemplo, que o entomologista sente inveja do charme do outro, mas isso não se traduz em fato estético. Falta, nesse livro bobo, a malícia que era o melhor de "A Insustentável Leveza do Ser". Kundera se limita a passagens como uma em que o professor e sua amante mergulham na piscina, nus, e ele sai atrás dela dizendo: "Vou te sodomizar!". Aí vem o autor e apõe em ridículo tom de espanto: como o professor, que jamais dissera uma obscenidade a ela, poderia fazer isso agora? Bons romancistas, como diria Chacrinha, não explicam, confundem. Kundera se tornou um editorialista de sua própria sentimentalidade. Cada vez mais, é um Paulo Coelho com verniz intelectual. A OBRA A Lentidão, de Milan Kundera. 158 págs. Editora Nova Fronteira (r. Bambina, 25, Rio de Janeiro, CEP 2251-50, tel. 021/537-8770). R$ 15,00 Texto Anterior: Guia erudito de música Próximo Texto: FILOSOFIA; LITERATURA; LANÇAMENTO; PALESTRA Índice |
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