São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livro conta refúgio nazista na Argentina

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

A Argentina transformou-se em paraíso para cerca de 150 criminosos nazistas que fugiram da Europa depois de terminada a Segunda Guerra Mundial, há 50 anos.
Essa é a conclusão do jornalista e escritor Jorge Camarasa, 42, que concentrou seus 15 anos de investigação sobre o refúgio dos nazistas na Argentina no livro "Odessa al Sur" ("Odessa ao Sul", Planeta, 350 págs.). Odessa é o nome da organização que facilitou a fuga dos nazistas.
Publicado em abril, o livro é líder de vendas entre as publicações de não-ficção na Argentina. Camarasa diz que seis criminosos nazistas ainda vivem na Argentina, além de Erich Priebke, que aguarda a decisão judicial sobre os pedidos de extradição feitos pela Itália e pela Alemanha.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - O governo militar argentino (1976-1984) protegeu os nazistas?
Camarasa - Claro que os nazistas tinham alguma proteção naquela época. Havia simpatia, solidariedade do governo para que não fossem incomodados.
A repressão militar também teve alguns aspectos anti-semitas. Alguns torturadores usavam suásticas penduradas no pescoço. Judeus eram torturados ao som de discursos de Hitler.
No Chile, a relação era mais clara. Walter Rauff assessorou o general Manuel Contreras a organizar a repressão.
Folha - Em seu livro, o sr. menciona que os nazistas tiveram ajuda da Igreja Católica e da Cruz Vermelha Internacional para fugir. Como foi essa ajuda?
Camarasa - Em meados de 1944, as altas hierarquias nazistas previram a derrota alemã e começaram a organizar a fuga com antecipação. Escolheram lugares como a Argentina, Paraguai, Chile, Brasil e países do Oriente Médio.
Os fugitivos foram incorporados à chamada "rota dos ratos", os caminhos que levam a portos italianos, como o de Gênova. Foram alojados em monastérios.
A igreja colaborou na fuga de criminosos de guerra porque tinha cumplicidade ideológica com os nazistas. Estava preocupada com um eventual avanço comunista em todo o mundo. A Cruz Vermelha ajudou arranjando passaportes com nomes falsos.
Folha - Que interesse tinha a Cruz Vermelha em ajudá-los?
Camarasa - Não tinha nenhum interesse. Se alguém declarava à Cruz Vermelha que havia perdido os documentos, dava um nome falso e logo os conseguia.
Joseph Mengele, o médico que realizou experiências com judeus no campo de Auschwitz, chegou à Argentina com passaporte em nome de Helmut Gregor.
Folha - O que era a organização Odessa e como funcionava?
Camarasa - Para organizar a fuga e a reinstalação dos nazistas. Mantinha contato estreito com a igreja e, nos lugares de chegada, com as comunidades locais.
Folha - Quantas empresas alemãs vieram para a Argentina?
Camarasa - A partir de 1942, 98 empresas se instalaram no país. Além disso, submarinos alemães desembarcaram pessoas e caixas nas costas Patagônia, dias depois de terminada a guerra.
Folha - Pode-se concluir que o tesouro nazista na Argentina eram essas empresas?
Camarasa - Aqui havia 98 empresas que movimentavam capitais multimilionários. Esse realmente era o grande tesouro nazista.
Folha - Há estimativa de quantos nazistas vieram para a Argentina?
Camarasa - Cerca de 40 mil nazistas e não menos que 150 criminosos de guerra.
Folha - Eles foram empregados justamente nas empresas alemãs aqui estabelecidas?
Camarasa - Sim. Essas empresas alemãs têm uma particularidade. Quando a Argentina declarou guerra à Alemanha, duas semanas antes do final da guerra, elas foram nacionalizadas pelo governo.
Foi o governo peronista quem incorporou nessas empresas os nazistas foragidos. De 1950 a 1952, as empresas voltam para o capital privado, ainda no governo Perón.
Folha - A Argentina se tornou o paraíso dos nazistas?
Camarasa - Era o principal porto de chegada dos nazistas. Um grande percentual dos que desembarcaram no país ficaram. Alguns foram ao Paraguai, Brasil, Chile ou Bolívia. Não está claro porque alguns não ficaram na Argentina, onde as condições eram perfeitas.
Folha - Como assim?
Camarasa - Havia uma comunidade alemã estabelecida no fim do século 19 que, durante a Segunda Guerra Mundial, deu total apoio ao Terceiro Reich (governo nazista alemão).
Havia o ingresso de dinheiro por meio das empresas, e também um Estado que até o último momento se negou a declarar guerra contra a Alemanha.
Essas características não se repetiram em nenhum outro país. O Brasil também tinha comunidade alemã, mas entrou em guerra contra o Terceiro Reich.
Folha - Como era a relação entre os nazistas e Juán Domingo Perón (1946-1955)?
Camarasa - Perón via com simpatia alguns aspectos do nazismo. Era simpático à organização disciplinada da sociedade, às corporações para guiar a economia, ao Estado forte e militarizado. Mas não via com simpatia o genocídio. Não era anti-semita.
Folha - O sr. menciona em seu livro que Joseph Mengele esteve, nos anos 60, na cidade brasileira de Cândido Godói (RS). Em 1963, houve o registro de nascimento de 50 gêmeos. É possível que ele tenha feito experimentos científicos na cidade?
Camarasa - É possível. Ele trabalhava durante a guerra com engenharia genética e, especificamente, com o aumento de nascimentos de gêmeos. A média mundial é de um caso de nascimento de gêmeos em cada 20 partos. Em Cândido Godói, a proporção foi de um para cinco.

Texto Anterior: Ensino enfrenta crise na Mongólia
Próximo Texto: Alemanha e Itália querem Priebke
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.