São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 1995
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Sociedade civil quer controlar a ficção

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A minissérie "Decadência" terminou na última sexta-feira contrastando a alegria da vitória do movimento dos caras pintadas, com a impunidade que beneficiou personagens corruptos do seriado. Os protestos da Igreja Universal contra a caracterização ficcional de um pastor representado pelo personagem Mariel Batista (Edson Cellulari), renderam mais uma ação civil indenizatória movida contra a Rede Globo.
O novo processo vem se somar às iniciativas de cidadãos, movimentos ou instituições da sociedade civil, que no afã de controlar as representações veiculadas na televisão, acabam por exercer um empobrecedor poder de censura sobre o conteúdo da programação.
A Rede Globo e o autor Lauro César Muniz foram recentemente condenados em primeira instância a pagar indenizações a Afanásio Jazadi, que se considerou identificado com o personagem Juca Pirama da novela "O Salvador da Pátria".
O processo se encontra atualmente em segunda instância, aguardando novo julgamento. A história discutia as práticas de um jornalista sensacionalista, e como tal, provavelmente se inspirou não em um, mas nos muitos profissionais que adotam essa linha de atuação.
O patrulhamento tem sido exercido por instituições e pessoas de posses e com atuação na mídia. Sua ação reclamante lhes traz atenção pública, além de benefícios financeiros.
A exceção é o caso da novela "Pátria Minha", de Gilberto Braga, que gerou uma grita do movimento negro em protesto contra uma cena em que um personagem branco e rico xinga um personagem negro. Neste caso não houve processo judicial, mas houve acordo e inclusão de discursos positivos de negros sobre a negritude.
O caso da polêmica sobre a questão racial na novela é ilustrativo do caráter fugidio do significado nas representações televisivas. O discurso "affirmative action" é inusitado na televisão brasileira e é muito bem-vindo. Mas nem ele é capaz de controlar as ambiguidades envolvidas.
Para alguns, ele é insuficiente por não tratar explicitamente do preconceito. E o que o movimento negro tomou como ofensa, outros telespectadores interpretaram como a denúncia inédita em nossa televisão de práticas racistas que persistem nos espaços mais recônditos da sociedade.
A ficção televisiva lida justamente com a pluralidade de opiniões. Quando põe o dedo em alguma ferida, estimula uma discussão pública e gera polêmica, se considera bem-sucedida.
A intenção de indivíduos ou segmentos sociais de exercer controle sobre representações ficcionais, além de fadada ao fracasso, cerceia a veia provocativa de qualquer trabalho criativo.

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