São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 1995
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Fracassomania e autocrítica

LUÍS NASSIF

No domingo, a Folha publicou artigo do diretor da Área Internacional do Banco Central, Gustavo Franco, que trata todas as críticas ao Plano Real como filhas diretas da síndrome do fracasso que permeia a cultura nacional.
Gustavo é um acadêmico talentoso que, no segundo semestre do ano passado, comandou a política econômica, graças à desmobilização da opinião pública (devido à campanha eleitoral) e à presença no governo de ministros da Fazenda omissos.
A falta de limites institucionais e o voluntarismo de acadêmicos revestidos de um poder absurdo desarmaram-nos de cautelas, levando-os a cometer dois erros. Primeiro, o erro da política cambial, que levou à apreciação do câmbio. Depois de consumado o erro, sua transformação em fetiche, a fim de não dar o braço a torcer.
Como autodefesa, Franco trouxe o patrulhamento de volta à discussão econômica. Todo crítico da política cambial é inimigo do Real, diziam ele e o ex-ministro Ciro Gomes -quando, intramuros, o principal crítico da apreciação cambial era justamente o pai do Real, economista Pérsio Arida.
Mercado vesgo
À imprensa leiga, Franco vendia a idéia de que as cotações do dólar refletiam apenas o livre jogo de mercado. Em conversas reservadas, admitia à imprensa técnica que os diferenciais entre juros internos e externos desequilibravam o jogo, levando à entrada excessiva de dólares. Mas atribuía a culpa dos desequilíbrios à política monetária, como se a política cambial não tivesse que levar em consideração a realidade na qual foi implantada.
Agora, chega-se à situação em que a maioria absoluta dos analistas econômicos condena a política cambial e, principalmente, a política de juros -que é decorrência, justamente, dos desequilíbrios comerciais acarretados pelos erros no câmbio.
Franco volta ao ataque através de sofismas. Repete a mesmo lengalenga patrulheira.
O que os críticos consideram é que não há nenhuma evidência empírica de que a redução de juros do crédito de 8% ou 12% ao mês para níveis menores significaria retorno da inflação.
Supondo-se uma inflação de 2% ao mês, taxas de juros de 8% ao mês equivalem a uma taxa real de 99% ao ano. Se o custo do crédito cair para 5% ao mês, ainda assim a taxa real será de 42% ao ano -nível extraordinário para qualquer economia estabilizada.
No entanto, o professor Franco sustenta que o combate à inflação depende de taxas reais de 100% ao ano. E quem disser o contrário é coveiro do Real.
Pior do que a síndrome do fracasso é a ausência de autocrítica.

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