São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Relator desfigura emenda do governo

GABRIELA WOLTHERS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A reforma administrativa defendida pelo Palácio do Planalto sofreu um golpe ontem, um dia após o presidente Fernando Henrique Cardoso ter anunciado um "pacto" com os 27 governadores para sua rápida aprovação no Congresso.
O relator da emenda na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), deputado Prisco Viana (PPB-BA), apontou oito inconstitucionalidades e oito erros jurídicos no texto enviado pelo governo.
Ele apresentou um parecer propondo 16 emendas ao texto. Caso sejam aprovadas pela comissão, elas irão desfigurar completamente a proposta original elaborada pelo ministro da Administração, Luiz Carlos Bresser Pereira. A votação está prevista para a próxima terça-feira.
Prisco considerou inconstitucional, por exemplo, o dispositivo que estabelecia que ninguém poderia receber remuneração, provento da inatividade ou pensão dos cofres públicos superior à remuneração do presidente da República.
Também estipulou que a flexibilização da estabilidade no emprego do funcionalismo só valerá para os servidores que forem admitidos após a promulgação da emenda constitucional -os que já estão empregados não poderão ser demitidos por insuficiência de desempenho ou excesso de quadro.
Esses artigos são considerados vitais pelos governadores, que querem diminuir os gastos com o funcionalismo público. Alagoas, por exemplo, consome 95% de suas receitas com servidores. Os Estados de São Paulo, Rio Grande do Norte e Goiás gastam 80%.
Informado do parecer, Bresser, que estava no ministério, reagiu. "É totalmente absurdo, a visão do relator é estritamente burocrática, é um absurdo ilógico", afirmou.
"Se isso for aprovado, acabou a emenda, vamos todos para a praia, porque ficará provado que o país não tem jeito", disse. "Tem que distinguir o direito adquirido do privilégio adquirido", completou.
"Os escravagistas afirmavam no século passado que a escravidão não poderia acabar, porque eles tinham direito adquirido sobre os escravos", argumentou o ministro.
Enquanto Bresser desabafava, os líderes governistas tentavam se recuperar do susto. "Temos que articular politicamente para preservar o texto", disse à tarde o líder do governo na Câmara, Luiz Carlos Santos (PMDB-SP), enquanto folheava o parecer de Prisco.
Ele iria se encontrar com FHC ontem à noite no Planalto para traçar uma estratégia com o objetivo de derrubar as emendas do relator. O desânimo só não era maior porque o governo havia obtido uma vitória horas antes na mesma CCJ.
Na manhã de ontem, o deputado Marcelo Déda (PT-SE) apresentou um requerimento para desmembrar em quatro a mesma emenda da reforma administrativa. Segundo o presidente da comissão, deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), o desmembramento atrasaria em pelo menos 15 dias a tramitação da reforma.
O governo conseguiu impedir o fatiamento por 28 votos a 12. São esses mesmos votos que o Planalto pretende angariar para derrubar o parecer de Prisco. Nos bastidores, o governo avalia que o relator é um "criador de caso" e resolveu apresentar um parecer polêmico para aparecer na mídia.
O texto surpreendeu o próprio Déda. Após a leitura do parecer, ele foi ao microfone dizer que o relator deveria ser chamado daqui por diante de "Prisco Mãos de Tesoura", numa referência ao filme norte-americano "Edward Mãos de Tesoura".

Texto Anterior: Congresso vai mudar proposta do governo
Próximo Texto: MUDANÇAS PROPOSTAS PELO RELATOR
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.