São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
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D. Pedro 2º e o "custo Brasil"

FERNANDO BEZERRA

Quando d. Pedro 2º resolveu estatizar o Banco do Brasil, que até então tinha como maior acionista o empresário Barão de Mauá, em 1853, a primeira providência tomada pelo novo gabinete que se instalava foi aumentar o número de diretores de três para 15 vagas.
Na época, a imprensa chegou a publicar notas maliciosas, sugerindo que os inúmeros candidatos às novas vagas fizessem pelo menos um curso básico de álgebra e matemática antes de serem nomeados para tão distintos cargos, já que nenhum deles tinha qualquer intimidade com a área econômica e financeira.
Pouco tempo depois, o Estado atacava novamente. Em 1855, d. Pedro 2º anunciava a inesperada assinatura de um contrato para a construção de uma estrada de ferro unindo o Rio a São Paulo.
Depois de tomar o Banco do Brasil da iniciativa privada, o imperador queria demonstrar que poderia comandar melhor o progresso do país do que qualquer empresário e resolveu se arriscar também na área dos transportes. A idéia era construir uma ferrovia estatal. Detalhe: ela correria paralela, no seu primeiro trecho, a outra construída por Mauá, que foi a primeira estrada de ferro brasileira, ligando o Rio a Petrópolis.
Não havia estudos técnicos e nem orçamentos. Contratou-se, a peso de ouro e a toque de caixa, um engenheiro inglês para tocar a obra. Estipulou-se uma dotação fantástica para a época, 40 mil contos de réis, levantados na Inglaterra por meio de um contrato nebuloso, com comissões para intermediários e juros escorchantes. Iniciadas as obras, gastou-se oito vezes mais do que havia sido gasto, pouco antes, no trecho da ferrovia privado. O capital garantido da ferrovia estatal foi exatamente igual à receita total do Império.
Quando inaugurado, o trem de d. Pedro 2º levou 11 horas para fazer o percurso entre o Rio e São Paulo. Hoje, mais de um século depois, quando chega, o trem consome as mesmas 11 horas no trajeto.
As histórias do Banco do Brasil e da ferrovia D. Pedro 2º, ilustrativas de um Estado irracional, perdulário e corrupto, estão no excelente livro do jornalista Jorge Caldeira: "Mauá: Um Empresário do Império". Passados quase 150 anos, pouca coisa mudou -exceto as cifras envolvidas, que ficaram muito mais expressivas.
O "custo Brasil", portanto, vem de longe. Num excelente trabalho realizado pela CNI sobre o assunto, dá-se uma justificada importância à carga tributária excessiva, que onera os nossos produtos e serviços, fazendo com que eles percam competitividade internacional. Mas se devia pintar com cores igualmente fortes outros aspectos do Estado -a irracionalidade e a permeabilidade à corrupção- que se originam e se alimentam de um sistema tributário injusto, mas resistente a qualquer tipo de mudança.
O ministro Adib Jatene, respeitado por todos, está numa verdadeira cruzada para ressuscitar o imposto sobre movimentação financeira, que renderia algo em torno de R$ 6 bilhões/ano para a área de saúde. Ora, isso representa cerca de 30% do valor do rombo que a imprensa atribui ao Banespa. Ou seja, o que o banco estatal paulista teria desperdiçado daria para pagar três anos do tributo pretendido por Jatene!
Tive, pessoalmente, o trabalho de pesquisar os casos recentes de corrupção -apenas os publicados pela imprensa. Pois bem: nos últimos quatro anos, as operações envolvendo desvios na Previdência, obras superfaturadas, compra de equipamentos e material sem critério nenhum, alimentos se deteriorando em armazéns, roubos explícitos, sonegação fiscal etc. atingem a cifra fantástica de US$ 100 bilhões. O suficiente para resolver -mesmo- grande parte dos problemas nas áreas de saúde, saneamento e educação básica.
Herdamos de Portugal um Estado monstruoso e voraz, que sempre se sobrepôs à sociedade. Em meados do século 19, enquanto a Inglaterra estimulava o surgimento de novas empresas, simplificando ao máximo a documentação e tirando o Estado do processo, aqui no Brasil tomava-se a providência contrária. O Estado brasileiro sempre procurou, antes de mais nada, atender a si mesmo.
Para expressar essa singularidade, alguns estudiosos têm sugerido a denominação de Estado patrimonial, a fim de explicitar que se tenha tornado patrimônio dos que o gerem, em vez de achar-se voltado para a sociedade. A força dessa circunstância pode ser percebida na resistência que parte significativa daqueles que o integram estão opondo à privatização, inclusive recorrendo a formas de luta que penalizam a população menos favorecida.
É evidente que o Brasil está mudando. A sociedade se mobilizou para afastar um presidente acusado de corrupção -e está mais vigilante, cobrando mais. Mas isso é apenas o início de um longo processo. É preciso promover as reformas necessárias para que se acabe não somente com o vergonhoso "custo Brasil". Mas também com uma mentalidade arcaica e cada vez mais ultrapassada, que defende a primazia do Estado, que gasta muito e gasta mal, sobre uma iniciativa privada que, sem interferências, costuma produzir cada vez mais, a um custo cada vez menor e com qualidade cada vez melhor.

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