São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
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Presença da antiguidade

ANTONIO MEDINA RODRIGUES

Classica
Revista Brasileira de Estudos Clássicos 5/6
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
293 págs.
R$ 15,00

Sai agora, com seu justificado atraso de dois anos, o volume 5/6 de "Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos", publicação anual da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, filiada à SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e à Fédération Internationale des Associations d'Études Classiques. "Classica" será referência obrigatória para quem se ponha a estudar as culturas grega e/ou latina da Antiguidade. É também uma súmula sobre as pesquisas principais que se vêm fazendo no âmbito da cultura clássica no Brasil e conta com consultores internacionais de vulto, como Walter Burkert e Pierre Lévêque, entre outros.
Trata-se de publicação esmerada, apesar de feita, como se sabe, em país de recursos tão minguados como o nosso, e que, por isso mesmo, pouco tem contribuído para a longa ciência das humanidades. Grego, latim e sânscrito são maravilhas e, como tais, exigem um dinheiro que não temos. Entretanto -e talvez por isso mesmo-, há nessa revista uma garra, um desejo de concentração e de atualidade admiráveis. O volume que sai agora discute certos temas importantes da filosofia, da literatura, da história e da antropologia (primeira secção), particularizados na questão da retórica, do parentesco, da religião e da política. Outros textos discutem Esopo, Homero, Safo e a comédia de Aristófanes. Há também a secção de classicismo e modernidade, e a de bibliografia especializada (ensaio, resenhas).
A colaboração maior é, com evidência, a brasileira. Sua qualidade me permite supor que, sendo nós muito pobres, porém muito animados, poderemos um dia realizar por aqui nossa esperada "Aufhebung" humanística. E, podem crer, nesse dia nós a realizaremos criativamente, paubrasilicamente. Ainda não passamos pelo mundo clássico. Nossa idéia de classicismo é indireta e subsidiária. Veio da literatura inglesa e da alemã. Antes tinha vindo de Portugal, que se inspirara no classicismo italiano. Mas, sem dúvida, algo se fez por aqui mesmo, enquanto perdurou o ensino do grego e do latim. "Classica" é um veículo que pretende retomar e aprofundar essa pequena tradição, mantida ainda mal e mal por alguns departamentos de letras. É uma bela revista. Não faz feio diante de suas congêneres do Primeiro Mundo.
É verdade que as revistas filológicas são monótonas via de regra, pedem paciência de entomologista, e não interessam a ninguém que não for do ramo. Surpreendentemente, porém, esta nossa publicação é intensa, animada. Seu estilo é oral. Não o oral falado, mas o oral escrito. Nossos "scholars" não são vernaculistas. Contudo, escrevem com propriedade e só dizem o que entendem. Alguns têm um fraseado pessoal. É o caso de João Adolfo Hansen, que desvenda com brilhantismo os labirintos da retórica antiga; é também o caso de Joaquim Brasil Fontes, que nos brinda com uma minuciosa interpretação da "Ode Primeira" de Safo. Outros, de geração mais recente, se mostram mais inclinados às formas habituais do comentário filológico. Marcos M. dos Santos sintetiza a questão do esteticismo e da teoria literária nos textos de Aristófanes. Também sobre Aristófanes é a contribuição de Adriane da Silva Duarte, cujo estudo polemiza com a tradicional interpretação de "As Aves" como forma de escapismo ou fantasia. Pierre Lévêque estuda o coro de "As Rãs" e Giuseppina Grammatico discute o vocabulário de Heráclito. Jacyntho Lins Brandão nos dá preciosas informações sobre a controvertida bibliografia de Luciano de Samósata, um autor que, como sabemos, passou a ter significação especial entre nós, sobretudo depois dos estudos que vêm sendo feitos sobre Machado de Assis, para quem a leitura de Luciano se provou de capital importância.
Louvem-se também alguns trabalhos em que os métodos da tradição se vão deixando assessorar por instrumentos da lógica e da linguística moderna. Já não era sem tempo. É o caso de Maria Celeste Consolin Dezzoti e seu estudo dos epimítios de Esopo. Mais ligada à tradição da lógica, é a interpretação que Lucia Adriana Liñares faz do discurso de Príamo na "Ilíada". E, apoiada no pensamento de Lévi-Strauss, Mireille Corbier aplicou com êxito a metodologia de parentesco aos nomes da família romana (Júlio-Cláudia). Por fim, defendendo uma postura estrutural, porém ligada a Georges Dumézil, José Antonio Dabdab Trabulsi fez o estudo das relações entre religião e política na Grécia antiga. Texto excelente. E, para fechar com Dumézil, lembramos a pergunta que lhe foi feita: "Para que serve se estudarem tantos mitos?". Disse Dumézil que "para nada". Simplesmente para nada. Como tantas coisas belas deste mundo.

ONDE ENCONTRAR
Nas livrarias da Edusp (Editora da USP), na Cidade Universitária, e no Centro Cultural Maria Antonia; Livraria Duas Cidades (r. Bento Freitas, 158, São Paulo); Livraria Horizonte (r. Jesuíno Arruda, 806, Itaim, São Paulo). Para assinatura entrar em contato com Haiganuch Sarian pelo telefone 011/280-6551

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