São Paulo, terça-feira, 2 de janeiro de 1996
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Falando nos males de origem

TITO CESAR DOS SANTOS NERY

TITO C. DOS SANTOS NERY
A professora Asa Cristina Laurell, sueca, radicada no México, atraiu a atenção de estudiosos na área de saúde pública ao afirmar que não existia apenas a doença ou a saúde, mas sim um processo dinâmico denominado saúde/doença. A simples ausência de doenças não confere um estado pleno de saúde para o indivíduo.
A OMS também aponta que a saúde não é apenas a falta de doenças, mas o completo bem estar social, físico e mental. Uma corrente de pensadores da área considera que, entre os fatores sociais, a possibilidade ou não de consumo -de alimentos, de serviços ou assistência médica, de lazer, de benefícios sociais- seria determinante e principal para o estabelecimento da saúde. Outros estudiosos analisaram países mais desenvolvidos, como a Inglaterra. Lá, as conquistas sociais são acessíveis à população há mais de 50 anos e asseguram, por exemplo, quantidade semelhante de proteínas consumidas diariamente por um proprietário de uma indústria, ao trabalhador da mesma indústria. Observaram que, uma vez isonômicos os perfis de consumo, os indicadores de saúde (mortalidade, morbidade, etc.) deveriam estar igualados. No entanto, o fato é que ocorrem diferenças importantes entre a maneira de morrer, de acordo com as classes sociais. Porém menores que em países menos desenvolvidos.
Apesar das divergências entre as correntes, há um ponto unânime: para reverter e melhorar a saúde de uma população é básico saneamento, educação, alimentação e assistência médica. E mais, estes insumos sociais devem estar garantidos por uma ação governamental e, principalmente, como uma tarefa de toda a espécie humana. Vide os projetos da ONU para todos os países do mundo.
A teoria da evolução (Darwin) registra que o princípio evolutivo da competição entre as espécies, assim como a adaptação ao meio ambiente -a lei do mais forte- foi vital para o seu desenvolvimento, como as conhecemos hoje.
Entre os seres humanos, observa-se princípios de solidariedade jamais vistos em outras espécies. Uma manada de cavalos não interrompe o seu caminhar se um dos integrantes acidentar-se ou adoecer. A sociedade humana evoluiu, beneficiando aquele que pode menos.
Assim, a proteção à criança, ao idoso, à mulher, ao adoecido é característica dos humanos. Entre outras espécies conhecem-se locais onde os animais vão para morrer -como os famosos cemitérios de elefantes. Não se sabe, no entanto, de lugares onde os animais vão para restabelecer sua saúde e viver mais. Esta é uma atividade exclusivamente humana, e os hospitais caracterizam-se como os locais de cura. Por isso, o serviço de saúde deve ser igualitário e disponível para todos.
Neste momento, quando se fala da privatização da saúde, ou na alocação de recursos, essa discussão é extremamente pertinente. A modernidade no Brasil, em relação à questão saúde, é garantir pontos conquistados por outros países há 50 anos: o acesso igualitário, universal e irrestrito aos serviços. A restrição não é apenas romper com uma norma constitucional, mas também retroagir no curso histórico. A plena aplicação dos recursos, o fim da corrupção, os compromissos sociais das instituições, prefeitura, governo estadual ou federal são obrigações e devem ser contratadas por todos.
É fundamental citar o médico Manuel Bonfim, que em 1903, em seu livro América Latina, os males de origem, registra: "A indignação e a luta contra o mal são também fatos sociais e funções legitimamente humanas, mais nobres que a pura contemplação, se elas se completam pelo estudo das causas da miséria e do atraso social, e se buscam o meio de combatê-las e suprimi-las".

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