São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Malan recupera fôlego com pesquisa e vendas de Natal

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, cuja posição parecia abalada em dezembro, iniciou este ano novamente fortalecido.
A combinação de um fato político, a pesquisa do Datafolha registrando aprovação ao Plano Real e ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com as boas vendas de Natal deu nova vida à política econômica associada a Malan e que tem sido o núcleo do governo tucano.
Essa mudança foi percebida nos meios econômicos. Resultado: desapareceu a expectativa de que o presidente venha a ceder a pressões por mudanças na política econômica.
As circunstâncias demonstraram que a derrubada da inflação, prioridade absoluta da linha Malan, traz benefícios imediatos e espalhados por toda a sociedade.
Mas o fato político relevante, indicado pelas pesquisas, é que a população percebe esses benefícios e os associa a FHC.
Isso deve mudar o ambiente no Congresso Nacional, conforme avaliações ouvidas pela Folha, dentro e fora do governo. Qualquer político, excetuada a oposição ideológica, gostaria de ser sócio de um Plano Real que tem a aprovação de 72% da população.
Especialmente porque o momento da pesquisa também é significativo. Ocorreu depois de um longo período em que política da Fazenda impôs juros altos, crediários restritos, desaceleração do crescimento econômico e aumento do desemprego.
O plano passava pela fase dos sacrifícios e ainda assim manteve a extraordinária aprovação de quase três quartos da população.
A pressão por mudança na política econômica se baseava naqueles fatos negativos. A reivindicação era, basicamente, de juros muito menores, alívio geral no crediário e desvalorização do real em relação ao dólar.
Isso tudo aumentaria as vendas e protegeria a indústria nacional contra a competição dos importados.
Causaria inflação, é verdade, mas já se ouvia, entre empresários, a observação de que "um pouco mais de inflação" não faria mal se isso melhorasse os negócios. Como para Malan não existe inflação boa, neutra ou mesmo tolerável, a mudança da política exigiria a substituição do ministro.
Talvez por José Serra, se sugeria, embora pudesse ser injusto com o ministro do Planejamento. Serra, em seus pronunciamentos, tem defendido a prioridade para a derrubada da inflação.
Acontece, porém, que Serra está alheio à condução do Plano Real. Tudo que foi feito para superar as três grandes crises que ameaçaram o programa em 1995 -o déficit no comércio externo, a crise cambial de março e o excesso de consumo- foi feito pelo Ministério da Fazenda e seu principal braço, o Banco Central.
E sendo o Real uma criatura da Fazenda e do BC, uma crise do plano afetaria Malan, mas passaria ao largo de Serra. Assim, a troca de um pelo outro fazia sentido.
Ainda em dezembro, essa era uma hipótese dada como viável nos meios econômicos, especialmente se ficasse caracterizada a recessão prevista por muitos empresários e analistas.
A hipótese agora desapareceu.
Desastre
Se as pesquisas demonstraram que a população passa por cima dos sacrifícios, as vendas de Natal indicaram que a economia estava longe do desastre. Na verdade, os resultados, ainda preliminares, podem ser um retrato fiel do Real.
O faturamento do comércio foi menor, mas as vendas físicas maiores do que em 1994. Isso indica que se vendeu mais quantidade de mercadorias por preço menor.
Houve uma oferta maior de produtos baratos. Assim, caiu a margem de lucro das empresas, e tudo isso por causa do ambiente de competição imposto pela âncora cambial (a atual cotação do dólar) e pela abertura da economia, dois pilares do Plano Real.
Como não se cansa de repetir o diretor de Assuntos Internacionais do BC, Gustavo Franco, o mais duro militante do plano, as empresas tiveram que lutar para serem mais competitivas.
As que conseguiram, estão no mercado, venderam no Natal. As que não, estão em dificuldades.
Há setores econômicos que vão bem, outros que vão mal. E dentro de cada setor, há empresas melhores e outras piores.
Não há uma crise generalizada, mas um momento de equilíbrio e adaptação ao novo ambiente.
Na verdade, a população sentiu diretamente os benefícios do plano: o barateamento de preços e a manutenção do poder aquisitivo da moeda, especialmente importante para os mais pobres, que não têm acesso às aplicações financeiras.
As empresas apanharam com a competição, mas estão se arrumando.
Déficit
Na verdade, o principal problema do Plano Real em 1995 ainda é uma abstração: o aumento do déficit do setor público, que só terá efeitos concretos sobre a economia, e, então, devastadores, se continuar crescendo no mesmo ritmo por mais um ano.
Os instrumentos para impedir isso são a redução dos juros, já a caminho, e especialmente a reforma do setor público, que depende de votações no Congresso.
Se o prestígio político de FHC e seu plano cresceram mesmo, a aprovação dessas reformas é mais fácil e a Fazenda ganha mais poderes para completar o programa.
Enfim, até aqui, o Brasil está reproduzindo o que já se viu em diversos países da América Latina: derrubar a inflação e, sobretudo, mantê-la baixa, é um capital político que sobrevive a muitas crises e muitos anos.

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