São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Delegada critica ociosos; homens reagem

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTA LUZIA DO NORTE

O maior problema enfrentado pela delegada Maria do Carmo da Silva, 37, para manter a ordem em Santa Luzia do Norte (AL) é, segundo ela, impedir que a falta de ocupação dos moradores, aliada à cachaça, termine em homicídio, lesão corporal e estupro.
"Todos os problemas que tenho são gerados pelo ócio dos pescadores, que só trabalham pela manhã, e dos desempregados que bebem pinga o dia todo", afirma Maria do Carmo.
As estatísticas apresentadas pela delegada mostram que a cidade é "calma". Em 95, houve dois assassinatos, uma tentativa de homicídio e sete lesões corporais.
Mas 1996 começou quente. Na última quinta-feira, na presença da reportagem da Agência Folha, foi registrado o estupro de F.F.S., 25, que está grávida de cinco meses.
Ela vive nas ruas. Naquele dia, seis jovens da cidade decidiram violentá-la. Rapidamente, a delegada e os 20 homens que trabalham com ela conseguiram prender 3 dos 6 acusados.
A delegada obrigou as famílias dos três presos a pagar os remédios que F.F.S. teria que tomar em consequência do estupro para não perder o filho.
Falta de estrutura
Para cumprir sua missão, a delegada tem de superar a falta de estrutura da delegacia. O prédio da delegacia está pintado e seu gabinete tem janela porque ela usou seu salário para pagar o serviço.
Com a reforma, ela gastou R$ 158,60. O valor foi cobrado em um ofício enviado em agosto passado à Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, mas o ressarcimento não chegou até agora. Ainda não houve recursos para construir um banheiro para mulheres na delegacia.
O único telefone da delegacia é o celular da delegada. O carro da polícia virou ferro velho no pátio. Quando precisa de carro para efetuar prisões, ela usa seu próprio Gol ou o carro do escrivão.
Por ser a única mulher da cidade que vive cercada de homens, a delegada diz que tem de fazer valer sua autoridade: "Ninguém fala palavrão cabeludo na minha frente. Mostro pulso forte com os meus policiais e com os bandidos. Não dou vez a bandido. A posição da mulher tem de preservada".
Revolta
Um dos principais focos de revolta contra o domínio feminino em Santa Luzia do Norte é a barbearia de José Duarte Amorim, 60, a única da cidade. Amorim afirma que as mulheres só cuidam de detalhes e se deixam de trabalhar pelo progresso da cidade.
"As prefeitas só cuidam de embonecar a cidade e se esquecem do principal, que é trazer emprego e desenvolver a cidade. De nada adianta termos uma cidade bonitinha se não há trabalho", afirmou.
Para o barbeiro, "a prefeitura não é uma cozinha, que só tem que zelar pelas coisas". Ele admite, porém, que as mulheres são melhores no atendimento ao público e reconhece ter votado na ex-prefeita Iracema Pedrosa.
Candidato masculino
O vereador do Prona, Givaldo Anacleto, acha que a próxima pessoa a ocupar a prefeitura tem de ser um homem, mas por uma questão prática.
"O partido não tem nenhuma mulher para indicar", afirma. Para o presidente da Câmara, Ivam Eufrásio Saturnino (PFL), "é hora de um candidato homem do nosso grupo".
Ele é do mesmo grupo da prefeita Hermínia Tavares da Silva, que foi eleita pelo PPR, mas agora está filiada ao PSB, legenda do prefeito de Maceió, Ronaldo Lessa (PSB), que quer disputar a sucessão do governador Divaldo Suruagy (PMDB).
"Agora sou socialista", afirma a prefeita, sorrindo, ao lembrar o partido ao qual se filiou.
O bóia-fria Flávio Macedo dos Reis, 43, que tem várias passagens na delegacia por ter tirado a roupa para se mostrar a mulheres da cidade, acha que em política o sexo não determina nada.
"Tanto faz ter prefeito ou prefeita. São políticos e não vão fazer nada por nós, mesmo", diz. Ele mora em um das 75 casas que a prefeitura construiu com recursos próprios e distribuiu entre os sem-teto da cidade.

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