São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Jornada ao mundo físico

JAMES GORMAN
DO "THE NEW YORK TIMES BOOK REVIEW"

Na capa de "The Physics of Star Trek" (A física de Jornada nas Estrelas), de Lawrence M. Krauss, as palavras "Star Trek" (Jornada nas Estrelas) estão em letras grandes e "Physics" (física) em letrinhas pequenas.
Mas não se deixe enganar pela tipografia. O livro é divertido, e Krauss usa um tom simpático para abordar um tema difícil, mas, entre a capa e o texto, o leitor percebe que foi vítima de um ligeiro engodo. "Jornada nas Estrelas" passa para o pano de fundo, e o centro do palco é tomado pela física.
Não se trata de engodo no sentido tradicional da palavra, na qual a vítima recebe algo de menor valor do que esperava, e sim do inverso, como se a vítima esperasse dinheiro falso, como as cédulas de um Banco Imobiliário, e, em lugar disso, recebesse cédulas de verdade. No livro de Krauss, os leitores atraídos pela frivolidade receberão um conteúdo substancioso.
A idéia de Krauss é utilizar o que, para muitas pessoas, pode ser a mais popular encarnação da ficção científica de todos os tempos -a galáxia dos filmes e do seriado de televisão "Jornada nas Estrelas"- para tentar explicar o que é e o que não é possível no universo da nave espacial Enterprise.
É o sonho de qualquer promotor de marketing: pegue ciência, televisão, viagens no tempo, artifícios rocambolescos de disfarce e, a título de cobertura do sorvetão, acrescente um prólogo do guru supremo do cósmico e misterioso na física moderna: Stephen Hawking.
Felizmente não é só a embalagem que é inteligente. Krauss é inteligente, como convém a um físico respeitado (é presidente do Departamento de Física da Universidade da Reserva de Western Case, em Cleveland, Ohio, EUA), mas escreve em linguagem comum.
Ele começa o livro descrevendo o lançamento de uma nave espacial não tão bem equipada quanto a Enterprise, na qual os tripulantes são atirados a seus lugares com intensa pressão e efeito devastadores: "Pouco a pouco você perde a consciência... e, em questão de minutos, você morre". É o momento da introdução à física newtoniana.
Segue na agenda a velocidade warp, mais rápida do que a luz, possibilitada pelo universo de Einstein. Krauss explica como o princípio depende da idéia de que o espaço pode ser literalmente deformado (warped), para trazer um ponto distante para mais perto.
São examinadas as teorias de Hawking sobre os buracos negros e outras para abrir túneis pelo espaço, tudo isso no contexto de "Jornada nas Estrelas".
Por exemplo, a tripulação da nave espacial Voyager descobriu um "buraco" no espaço em um episódio que "conectou o espaço em dois tempos diferentes", escreve Krauss. "Bem, essa é mais uma daquelas instâncias em que os redatores da Voyager acertaram. Se os buracos existirem, eles podem ser máquinas do tempo!"
Krauss também cita uma série de acontecimentos totalmente impossíveis. Os orçamentos energéticos de duas maneiras diferentes de fazer uma nave espacial chegar de um lugar a outro (uma delas a velocidade warp) tornam ambas essencialmente impossíveis.
Pedindo feedback dos leitores, o autor diz que está pensando em escrever uma sequência do livro, a ser intitulada "The Physics of Star Trek 2: The Wrath of Krauss" (A Física de Jornada nas Estrelas 2: A Ira de Krauss).
Será uma desavergonhada vinculação do maior empreendimento intelectual do século 20 (a física, poderíamos argumentar, e não "Jornada nas Estrelas") ao divertimento popular? Sim. Qual deveria ser a reação do leitor sério, preocupado nossa cultura?
Possivelmente, a reação mais apropriada seria gratidão. Pelo menos terá um livro na estante que não terá nada a ver com amor, morte ou emagrecimento.

Tradução de Clara Allain

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