São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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China glorifica defensor dos consumidores

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

A China dos anos 90, em ebulição por causa das reformas pró-capitalismo, cultiva um novo herói: Wang Hai, 22, o defensor dos consumidores.
O governo comunista glorifica o jovem que caça produtos falsos no mercado chinês e obriga as lojas a pagarem uma multa, numa cruzada que já se torna lucrativa para Wang Hai.
"Ganhei uns 20 mil yuans (US$ 2,4 mil) desde março passado", diz ele à Folha.
A estratégia é simples: Wang Hai busca produtos falsos, compra os artigos e depois devolve-os, para obrigar a loja a cumprir uma lei de defesa do consumidor que prevê a devolução de duas vezes o preço pago pela mercadoria à vítima da falsificação.
A cruzada consumista de Wang Hai delicia o governo comunista, que não consegue reprimir a insistente produção de produtos piratas.
As falsificações vão de perfumes franceses a camisetas de times de basquete dos Estados Unidos, de equipamentos para computador a cigarros.
Em março do ano passado, Wang Hai comprou dois fones de ouvido da marca Sony numa loja estatal em Pequim.
Boa parte do comércio, sobretudo as grandes lojas de departamento, permanece nas mãos do governo chinês.
Os insistentes chiados nos fones de ouvido levaram Wang Hai a procurar amigos especialistas em aparelhos de som.
Eles sentenciaram: o produto comprado por ele era falso, certamente fabricado por alguma indústria chinesa que, sem qualquer cerimônia, usou o nome da prestigiosa companhia japonesa.
Irritado, Wang Hai planejou a vingança. Lembrou-se da lei de defesa do consumidor, de 1994, que obriga a devolução em dobro da quantia paga.
Voltou à loja e comprou mais dez fones de ouvidos falsos, para totalizar 1.020 yuans (US$ 127,50).
Em seguida, Wang Hai procurou a gerência da loja de departamentos, alegou que os fones eram falsos e exigiu o reembolso.
Começava aí a cruzada que caiu nas graças do governo comunista chinês.
Wang Hai recebeu prêmio da Associação de Consumidores da China, apareceu nos jornais, no rádio e na televisão.
Ficou famoso e, ao mesmo tempo, odiado por todos aqueles que aproveitam os buracos do novo capitalismo chinês para ganharem dinheiro com falsificações e pirataria.
"Já fui ameaçado de morte pelo pessoal que vende os produtos falsos", lembra Wang Hai.
A cruzada pelos consumidores levou-o a abandonar, temporariamente, o seu trabalho no comércio de materiais de construção, feito na cidade natal de Qindao (pronuncia-se "tchindao"), que fica no leste da China.
Nas suas caçadas, Wang Hai prefere mirar produtos como roupas e material esportivo.
Uma marca famosa de confecções de Hong Kong, a Baleno, lhe enviou um agradecimento por ajudar a localizar produtos piratas. "Só que foi tudo verbal, não me deram nenhuma recompensa", afirma ele.
Wang hai nega que faça a campanha apenas para engordar sua conta bancária.
"O que mais me preocupa é o descaso com a lei", afirma. "Vivemos no momento de construção de nossa economia de mercado e precisamos educar as pessoas, tanto produtores como vendedores e consumidores, para as novas regras."
Por enquanto, Wang Hai não tem planos para terminar a cruzada. "Vou continuar atacando os produtos falsos", diz.
Sobre resultados da campanha, ele afirma: "É difícil avaliar, não sabemos se há menos produtos falsos nas prateleiras, mas uma coisa mudou com certeza".
No começo, as lojas levavam meses para pagar a multa e agora o fazem em semanas. "Ficaram com medo de mim", brinca Wang Hai.

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