São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Despedida

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Parece estranho. Mas devo dizer que tenho leitores. Como sei? Pelas dezenas de cartas recebidas mensalmente.
Pois hoje trago uma boa notícia para as pessoas que, pacientes, deslizam o olhar por esse quadrado. Disse boa e sinto que o adjetivo não é suficientemente enfático.
A notícia não é apenas boa. É ótima. Dentro de dois, três dias, deixarei de escrever a coluna. Nossa escassa convivência de seis meses será interrompida.
Sei que fiz pouco, pouquíssimo pela valorização do espaço. Na verdade, herdei-o pronto de Gilberto Dimenstein. Encontrei-o assentado em pilares sólidos.
Se não o valorizei, espero ao menos não tê-lo conspurcado de forma irremediável. Até em respeito à vizinhança.
A convivência cotidiana com Clóvis Rossi, acima, e com Carlos Heitor Cony, abaixo, não é fácil. A honraria impõe responsabilidades. São dois craques, donos de textos viçosos.
Saio porque o jornal convocou-me para novas e igualmente honrosas funções. Em 5 de fevereiro estarei servindo aos leitores a partir da Secretaria de Redação.
Meus desafios pessoais não serão pequenos. Mas por certo serão menores do que a ousadia da Folha ao decidir atribuir-me função de tal relevo.
Trocarei a Sucursal de Brasília pela sede, em São Paulo. Mudar de cidade é como nascer novamente. Em matéria de São Paulo, é como me sinto: um bebê.
Deixo o ambiente placentário de Brasília, quente e confortável, para engatinhar pelas ruas da capital paulista, úmidas e desconhecidas.
Um amigo aconselhou-me a levar uma canoa na mudança. Provocação para a qual fiz ouvidos moucos. Espero encontrar na Paulicéia algo além de trabalho e enchentes.
Sou brasiliense por adoção. Foram 28 anos na cidade. A São Paulo de meu nascimento é apenas um vulto esmaecido. Uma sombra jogada num canto da memória do garoto de seis anos.
Alguém já disse, não me lembro quem, que o pior tipo de solidão é a companhia de um paulista. Eis outra provocação que, estou certo, será soterrada.
Deixo Brasília e a coluna com certo pesar. Meu maior consolo é o sossego que proporcionarei aos leitores.

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