São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Morte obcecava presidente

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em outubro do ano passado, o jornal "Le Monde" noticiava que François Mitterrand havia comprado um terreno de 10 m² no Parque Natural de Morvan, para nele edificar seu túmulo.
O projeto não se confirmou. Seu sepultamento se dará quinta-feira na cidade de Jarnac. De qualquer modo, o anúncio da compra do terreno parecia o último gesto de um personagem obcecado pela morte e que desejava também se tornar o mestre-de-cerimônias de seus próprios funerais.
A escolha de Morvan fazia sentido. O parque fica a 20 quilômetros de Château-Chinon, cidadezinha da qual Mitterrand foi prefeito por 22 anos (1959-1981).
Trata-se também de um sítio arqueológico, com as ruínas da fortaleza de Bibracte, onde Júlio César, à frente do Exército romano, venceu as tropas da nação gaulesa chefiadas por Vercingetorix, em 52 a.C..
"Foi então que nasceu a França", teria dito o ex-presidente, que a 17 de maio de 1995 havia passado o poder para seu sucessor.
A morte se tornou para ele um tema de preocupação inevitável. O câncer na próstata que o vitimou foi diagnosticado em 1992, quando se submeteu à primeira das duas cirurgias destinadas a bloquear sua expansão.
A doença foi tornada pública, como forma de dar um pouco de transparência a um assunto que não era meramente pessoal. Envolvia questões de Estado, na medida em que o então presidente tinha ainda pelo menos dois anos e meio de mandato pela frente.
No passado, Mitterrand havia sido um dos críticos do silêncio mantido pelo palácio presidencial do Eliseu, em março de 1974, quando o então presidente Pompidou estava desenganado e seu câncer não era mencionado sequer como hipótese ou boato pela imprensa francesa.
Depois da primeira cirurgia, ele abordou pelo menos em três oportunidades a questão de sua própria morte. A primeira delas em entrevista, publicada em livro, a Elie Wiezel, Prêmio Nobel da Paz em 1986. Disse continuar agnóstico e não acreditar na existência de uma "Justiça Suprema" à qual deveria prestar contas na eternidade.
A Wiezel ele também disse que desde menino a idéia de morrer o preocupava. Mas, paradoxalmente, após o câncer, havia deixado de sentir medo.
A segunda oportunidade foi em encontro reservado com o filósofo místico Jean Guitton, a quem indagou -sem obter uma resposta que lhe fosse convincente- o que encontraria no além. Guitton relata que Mitterrand demonstrou uma comovente sinceridade ao procurar se informar sobre o assunto.
Por fim, entrevistado pela televisão um mês antes de deixar a Presidência, afirmou: "Se Deus existe e fala, gostaria que Ele dissesse 'finalmente você me conhece. Seja bem-vindo"'.

Texto Anterior: Mandato teve grandes obras
Próximo Texto: Doença exigiu duas operações
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.