São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mal interpretado

ANDRÉ LARA RESENDE

Fernando Henrique teria dito, em entrevista ao "Globo" na semana passada, que a fase das pequenas economias orçamentárias terminou e que este ano o governo iria começar a gastar. Uso o verbo no condicional para deixar em aberto a possibilidade de que não tenha sido bem isso o que quis dizer o presidente. É que se for, e ele realmente tiver intenção de fazê-lo, o caso é grave.
Vamos por partes. Meu colega Alfredo há anos faz um competente e meticuloso acompanhamento dos preços para tentar estimar os humores da inflação. Sem compreendê-los não se vai a lugar nenhum no mercado financeiro. Pois dias atrás encontrei Alfredo intrigado com o fato de que os preços estivessem tão bem comportados. Ora, Alfredo! Tantos anos de inflação crônica nos fizeram perder a perspectiva.
A inflação do ano passado foi a mais baixa das últimas décadas, é verdade. Excelente, mas ainda é perigosamente alta. As economias industrializadas hoje têm todas taxas de inflação inferiores a 5% ao ano. Com o câmbio no mesmo nível de quando o Real foi introduzido, depois de ter se valorizado no meio do caminho, já deveríamos estar convergindo para as taxas internacionais de inflação.
Não me entendam mal. Há um período natural de resistência de alguns preços menos sensíveis à competição externa, que faz com que por algum tempo após a estabilização ainda se observem taxas mais altas do que as internacionais.
Mas num país onde a indexação foi tão difundida e arraigada é fundamental que esse período seja curto. O perigo é que, vítimas da síndrome de meu colega Alfredo, nos encantemos com uma inflação de dois dígitos -já está muito bom, para que mais? O resultado inevitável será a volta da indexação e com ela o círculo vicioso infernal dos reajustes com base na inflação passada.
Só há uma forma de escapar dessa triste sina: absoluta intransigência com qualquer inflação acima das taxas internacionais. O caso é parecido com o de alcoólatras e drogados. Qualquer concessão ao antigo vício, por mais moderada e inofensiva que pareça ser, é fatal.
A condução da política cambial, infelizmente, já vem dando sinais -se bem que ainda incipientes- da velha indexação mensal. Não sei se haveria alternativa a curto prazo, mas o fato é que, para evitar que o processo se generalize, deve-se fazer o possível e o impossível para que a inflação convirja rapidamente para a taxa americana. Só assim se poderá interromper a indexação do câmbio sem risco de uma crise à frente.
Aumentar a taxa de poupança interna é a única maneira de garantir as condições para a estabilidade do câmbio e dos preços. A poupança do setor privado pode aumentar muito, mas sem o aumento imediato da poupança do setor público não vamos a lugar nenhum.
Depois de um equilíbrio precário conseguido em 1994, o déficit operacional do setor público ficou perto de 4% do PIB no ano passado, apesar de a arrecadação ter crescido mais de 30%. As finanças dos Estados são um desastre. Nessas condições, a taxa de juros da dívida pública, em níveis absurdos, não pode ser reduzida.
É por isso que sinceramente espero que o presidente tenha sido mal interpretado. Que o que ele tenha querido dizer é que não nos restringiremos a pequenas economias orçamentárias -vamos fazer grandes economias e começar a gastar melhor.

Texto Anterior: Barbeiros e cocheiros
Próximo Texto: O CHARME DA FAMA; NOVO EM FOLHA; CARDÁPIO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.