São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 1996
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A carne é fraca

GILBERTO DIMENSTEIN

Um camundongo gordo, peludo e escuro se transformou numa das grandes esperanças estéticas dos Estados Unidos, capaz de afinar silhuetas sem dieta ou ginástica. Desde Mickey Mouse nenhum roedor fez tanto sucesso.
Compreensível o entusiasmo. Um terço da população americana é gorda, torra US$ 30 bilhões por ano para emagrecer, sofre na privação de pratos saborosos e, em geral, perde a guerra da balança.
O charme do ratinho não se limita a vaidades estéticas. Pesquisas já relacionavam o excesso de peso com doenças no coração; mais recentemente, estabeleceram também ligações com vários tipos de câncer.
Ao investigarem no laboratório de genética molecular da Universidade de Nova York por que o camundongo era balofo, dois pesquisadores descobriram o caminho para um possível remédio que equilibre o organismo -por US$ 80 milhões, uma empresa privada adquiriu a patente para desenvolver a fórmula.
Essa promessa de revolução na guerra pela estética revela ao mesmo tempo mais um avanço na genética. E um óbvio absurdo: enquanto uma minoria sofre porque come em excesso, pelo menos 1 bilhão de pessoas em todo o planeta sofrem porque não têm o que comer.
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Hipótese biruta: se cada 1 dos 78 milhões de gordos americanos (mais de duas vezes toda a população do Estado de São Paulo) pudesse ceder aos brasileiros desnutridos apenas mil calorias por dia, pouco mais do que três fatias de um bolo de chocolate, não ficariam exatamente esbeltos.
Mas nossos 32 milhões de indigentes ganhariam reforço extra acima de 2.000 calorias, suficiente para erradicar qualquer vestígio de fome.
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A má distribuição de calorias no Brasil é mais uma prova do perigo das viúvas da inflação -a casta que prosperou no caos dos preços.
Estimativas empresariais indicam que, com a estabilização, cresceu em 30% o consumo de alimentos no país.
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Essa distribuição de renda vai ter impactos políticos. Um novo tipo de consumidor tende a gerar um novo tipo de eleitor. Basta ver os números do comércio em São Paulo: vendeu mais e faturou menos. Os preços estão menores. E, ao mesmo tempo, cresce a procura de produtos populares.
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A taxa de democracia de um país se mede pelo número de consumidores comparado com o número de eleitores -o resto é consequência. Por isso, apesar dos avanços, ainda estamos muito mal.
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Sobre a coluna "Somos todos culpados", comparando os direitos do consumidor nos EUA e Brasil, recebi fax do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), coordenado por Marilena Lazzarini.
Segundo estudos do Idec, o rebanho brasileiro é largamente atingido por doenças, além de receber hormônios cancerígenos. "Da carne que consumimos, 70% não passam por qualquer fiscalização."
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O Idec examinou 21 marcas de azeite -e simplesmente um terço não passou no teste de qualidade.
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PS - Por falar em comida e teste de qualidade, o colunista Arnaldo Jabor, da Folha, está em Nova York. Na segunda-feira, foi com sua mulher, Suzana Vilas Boas, ao Algonquin, um dos hotéis mais badalados da cidade.
Suzana pediu uma salada e, logo na primeira garfada, percebeu que seu prato não era integralmente vegetariano.
Remexeu as folhas e confirmou suas piores suspeitas. Estava diante de um autêntico exemplar nova-iorquino de ortóptero onívoro. Mais conhecido como barata.

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