São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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mulher deste verão

SÉRGIO DÁVILA

Quando Débora passa, o pessoal de Maresias dá nota, chama de gata, gostosa, tereza e megamais
Ela dá uma espiada diária nos jornais, sempre atrás das falências e concordatas, e não se inclui entre as defensoras do Real: "Votei em FHC mas o país está em recessão"
o corpo vem de oito anos de ginástica olímpica; na alimentação, vale muita carne vermelha

A gaúcha Débora Liotti, 27 anos, é a mulher desta estação. Finalmente, uma musa que é gente como a gente, que poderia ser a mulher ao (seu) lado.
É aplaudida na praia
Débora é gente que rala, malha e, então, vai à praia. E fecha a praia. "Quando eu passo, o pessoal de Maresias me dá nota, me chama de gata, gostosa, tereza e megamais", diz ela. Megamais? "Simpático, né?"
Mais de uma vez, Débora andando a caminho do mar, a audiência masculina em Maresias aplaudiu. Vigorosamente. Toda sexta à noite, ela desce para o litoral norte paulista.
Durante a semana, é gerente de vendas da Mirus Rove, que comercializa relógios promocionais para outras empresas. Fica em Moema -bairro onde Débora mora, num apartamento alugado de um quarto, e faz exercícios, na academia Runner e no parque do Ibirapuera.
A mulher do verão não pretende encarnar o binômio mais manjado das entrevistas carnavalescas: "Não quero ser modelo/atriz, estou feliz com o que faço, conheço pessoas, saio para a rua, me divirto", diz. "É um dom, entendeu? Saber vender, saber conversar, está no sangue" (seu pai, descendente de italianos, tem uma confecção).
Até agora, o emprego de 9h às 17h vem dando certo retorno financeiro. Além do apartamento decorado com bom gosto e da linha telefônica que aluga, Débora dirige um carro francês Renault Twingo 1995, só dela.
"O nome dele é Buiú", diz. Ela batiza suas coisas. "O Buiú veio de um menino que trabalha lá na Mirus", explica. "Ele é preto e com olhão, que nem meu carro." Dentro do Buiú mora Zezé, um gnomo. "É meu protetor", diz ela, que acredita em duendes e não está nem aí para o risinho maroto da galera.
Puro-sangue
Esse é o lado menina quase imperceptível da mulher que faz 28 anos no próximo 24 de fevereiro e saiu de casa para "juntar" aos 19 -a pedido dos quatro pais, dela e dele. Filha de descendentes de italianos -"sou puro-sangue"-, Débora cresceu e se formou em Porto Alegre.
Foi assim: Débora dormia escondida na casa do namorado, que era inglês; o namorado, que era inglês, dormia escondido na casa de Débora. Um dia, os pais dele compraram um apartamento, jogaram os dois dentro e falaram "virem-se".
"Duas crianças", lembra ela. "Mas foi lindo." Enquanto durou. Quatro anos depois, Débora resolveu que o apartamento, o inglês, a família e Porto Alegre eram pequenos -e São Paulo era grande.
Desembarcou no aeroporto de Cumbica na tarde do dia 9 de junho de 1990. "Caí do cavalo, vi que no Sul as pessoas são criadas para a família e, aqui, para o mundo." Então, se apaixonou pela cidade.
Ela não lembra a data exata da conquista mútua, mas gosta de dizer que foi quando viu a praia. "Quem imaginaria que São Paulo tem praia logo ali, a uma hora de distância, que não é só prédio?" Em um fim-de-semana, amigos a levaram para conhecer o litoral norte. Maresias, para ser mais específico.
Na praia que vem sendo point verão após verão, Débora começou a namorar um surfista. Chegou mesmo a surfar. Do esporte, desistiu. "Os homens não gostam que você surfe, brigam com você", diz.
E o namoro acabou depois de três anos, o que vem causando certa inquietação nas areias e até uma bolsa de apostas informal. Há pretendentes.
Diante do assédio, a telefonista da empresa em que Débora trabalha até inventou uma brincadeira. A cada voz masculina nova que liga atrás do mulherão, a funcionária distribui uma senha imaginária e manda aguardar a vez. Há duas quintas-feiras, o último número era 102. "É brincadeira", diz. Claro. Mas ela está sozinha. "Sozinha é bom, também."
São Paulo a descascou
O dia de Débora Liotti começa às 8h: suco de laranja, frutas, pão com requeijão, leite e iogurte. E uma espiada nos jornais. Coluna social? "Não, falências e concordatas", ri. "Como trabalho com comércio e os tempos estão duros, tenho de saber quem fechou, em quem confiar."
Ela não se inclui entre os defensores do Real. "Votei em FHC, mas acho que seu Plano colocou o país numa recessão, da qual não vai sair tão cedo." Débora é capaz de falar horas sobre política econômica, com o mesmo entusiasmo que fala -horas, também- sobre os produtos de beleza que usa, por exemplo.
Durante o dia, cuida da pele com gel de limpeza, tônico e hidratante da Lancôme. Na ginástica, prefere a linha esportiva da Natura, inclusive um creme para os seios (90 cm). Depois, passa um óleo de massagem da Calvin Klein "que é uma delícia".
Está longe de ser perua. Veste-se com simplicidade, gosta das grifes Les Filós e Forum, prefere jeans a tailleur. "Não sou muito patricinha", diz. "Era mais, quando cheguei, com muitas roupas, jóias, maquiagem, mas São Paulo foi me descascando."
Graças a Deus
Para a praia, ela acredita que menos é mais. "Um biquinizinho, uma canga, um shortinho e está limpo", ensina. Que biquinizinho? "Blue Man e Garota de Praia, com lacinho do lado, menor, supersexy, supercharmoso, e, graças a Deus, sou magrinha e posso usar."
Deus deu uma força inicial, é verdade, mas o corpo magro, musculoso e definido, Débora ganhou com oito anos de ginástica olímpica, que abandonou na adolescência. Desde então, alterna ginástica localizada com corridas e sauna. "Nada muito xiita", avisa. "Só quando dá tempo."
Nada muito radical também é sua alimentação. "Como de tudo, bastante carne vermelha inclusive, que eu sou gaúcha", diz. "Só evito maionese e frituras e nunca comi sushi."
Débora não gosta de ler. Nos últimos cinco anos, os último cinco livros folheados por ela levavam a assinatura de Paulo Coelho. "Tenho uma vida muito agitada, muita adrenalina, não sobra tempo." De música, ouve de tudo, encarando sem medo "até uns pagodinhos, de repente."
À noite, frequenta o Helena, no Itaim ("adoro o salmão com brócolis") e a cantina Lellis da alameda Campinas. Gosta de beber nos bares Lanterna e Quinta do Mandioca -"principalmente margarita". Quando está meio solitária, vai à banca da Cidade Jardim beber água de coco e ler revistas.
Conta tudo para a mãe
Mas a paixão mesmo está no futebol. Ela acompanha, se interessa, vai ao estádio, discute. Gremista no Rio Grande do Sul, diz que acabou se decidindo pelo Palmeiras em São Paulo, "acho que por influência da comunidade italiana".
É ecumênica com os ídolos: Túlio, do Botafogo, "um gênio", e Marcelinho Carioca, do Corinthians, "um dos melhores". Na recente final do Brasileiro entre Santos e Botafogo, torceu pelo time paulista. "O Santos está com mais personalidade, pintou o cabelo, aquela molecada", diz. "E tem a história, tem o rei."
Ela conheceu Pelé há alguns dias: "Foi demais, ele é tão tranquilo, tão majestoso". Na mesma noite, ligou para a mãe, a dona de casa Amália Milanez Liotti, em Porto Alegre. "Nós somos cúmplices, eu conto tudo para ela."
Nos próximos dias, Débora Liotti deve gastar um dinheirinho extra em telefonemas a dona Amália: "Para contar que sou a 'mulher do verão', que vou ser capa de revista" e que tudo começa a acontecer.

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