São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 1996
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Que juros são esses?

LUÍS NASSIF

Em entrevista à Folha neste domingo, o ministro Pedro Malan relatou exposição do ex-presidente do Banco Central, Ibrahim Éris, demonstrando através de fórmulas matemáticas que, em vez de 2,8% de taxa mensal (39% ao ano), o BC poderia estipular 2,5% (35% ao ano) ou 2,1% (28% ao ano). Tudo devido à correlação matematicamente apurada entre taxa de cambio e de juros, calculada de acordo com a taxa over, dividido pela taxa de inflação apurada pelo IGP-M, sobre a qual se aplicaria um fator de acumulação de reservas vezes a emissão de moeda daí decorrente. O ministro exarava puro orgasmo intelectual, com a acuidade e o senso de detalhe de Éris. Um primor!
Os pobres mortais que leram a entrevista entenderam a justa admiração do entrevistador pela entrevistado, atinaram com a perfeita segurança emanada das palavras do ministro, suspeitaram que por trás da formulação da política econômica havia ciência pura e exata, mas não conseguiram atinar sobre que raios de taxas de juros era essa de que se falava.
O ministro Malan falava sobre a taxa básica de operações de vendas de títulos públicos. No livrinho em que estudou, em priscas eras, esse é um referencial importante, porque condiciona toda a estrutura de taxas da economia -de operações ativas a passivas. Se a taxa básica é xis, a taxa de empréstimos é xis mais "ipisilone".
As pessoas físicas, encalacradas no cheque especial, pagam entre 8% ao mês (152% ao ano) a 12% ao mês (290% ao ano). Empresas sem acesso a crédito externo pagam entre 7% (125% ao ano) e 12% ao mês (290% ao ano). Não há taxa de juros de crédito inferior a 60% ao ano.
Quando se tem uma diferença de até 251 pontos percentuais entre a taxa básica e a de operações de crédito, numa economia em que se prevê menos de 20% de inflação ao ano, qual é a utilidade dessa taxa básica?
Estoques
A política de juros visa desestimular a formação de estoques e atrair dólares para o país. A taxa de aplicação atua sobre as expectativas das empresas capitalizadas. Se tem dinheiro em caixa, vai comparar a perspectiva de valorização dos estoques com a rentabilidade das aplicações. O cálculo é entre um custo de oportunidade 35% ao ano contra uma inflação de 15% ao ano.
O movimento maciço da economia, do comércio e da indústria, no entanto, se faz em cima de crédito -não de aplicação. O financiamento de estoques, o capital de giro, o financiamento ao consumidor dependem da taxa de crédito, em reais. Qual a lógica então dessa correlação entre 250% de taxa ao ano e 15% de inflação, a não ser o prazer sádico e ignorante de imolar empresas e pessoas nesse altar pagão?
Não pergunte ao ministro. O país sofre com a saída de Pérsio Arida do governo -e a coluna amarga remorsos por tê-lo criticado tão acerbamente na época. Arida apelou a uma política de juros absurda, mas que ele sabia passageira. Tinha suficiente acuidade e bom senso para, com o tempo, perceber os exageros e reformulá-la.
Com sua saída, ficou um esqueleto sem pai nem mãe, que se sustenta pela inércia. Ninguém se arrisca a removê-lo porque os estragos que causa hoje em dia não tem pai nem mãe. Mas se houver mudanças, qualquer sequela adicional será atribuída a quem a propôs.
O papel de Malan passa a ser esse. Atribuir as críticas à política de juros a interesses políticos, econômicos ou à "fracassomania".
Eletropaulo
Ainda há um longo caminho a percorrer, para se devolver a excelência à Eletropaulo. Neste final de semana, setores inteiros da capital paulista ficaram até 40 horas aguardando a religação das instalações elétricas, afetadas por um temporal.
Banerj
O Ministério Público Federal está prestes a cometer, no inquérito do Banerj, os mesmos erros cometidos no caso Banespa. Envolvem-se gregos e troianos nas suspeitas, pessoas com participação objetiva nas tramóias, e pessoas que meramente ocupavam cargos de direção no banco, em áreas completamente diversas. Além da injustiça de lançar suspeitas sobre inocentes, cria-se um imbróglio que favorece a impunidade.
Tributo
Quando o gosto pelo escândalo atinge pessoas da dimensão de Chico Buarque, Caetano, Gil e Gal, alguma coisa de muito sério está ocorrendo. Que se ataque a municipalidade do Rio por gastos exorbitantes com o Tributo a Tom Jobim, ainda passa. Que se critique a promotora pela desconsideração para com Paulinho da Viola, vá lá. Que se pretenda envolver artistas da qualidade e da integridade dos citados, exigindo licitação pública para sua contratação, é deboche.

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