São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 1996
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Marco Ricca dirige 'Oeste' e quer 'Hamlet'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 33 anos, o ator Marco Ricca, depois de "Dois Perdidos numa Noite Suja" (93) e "Gaivota" (94), quer "Hamlet".
No momento o ator dirige "Oeste", ou "True West", do autor americano Sam Shepard -com estréia prevista para 29 de fevereiro-, mas sonha com o maior papel escrito para o teatro por Shakespeare.
E conta os trunfos, para tanto. Já tem o diretor, Jorge Takla, a tradução de Millôr Fernandes, que espera há 11 anos por uma montagem, além de Ofélia, a ser interpretada por Maria Luiza Mendonça, e da rainha Gertrudes, Walderez de Barros.
"Esta peça me persegue e eu persigo esta peça", diz o ator. "No ano passado, a gente já quase começou. E uma vez eu comecei a ensaiar com o (diretor) William Pereira, numa produção dele, muitos anos atrás. Mas mudou o governo e acabaram com a grana."
Ele diz: "Vou fazer". Programa os ensaios para agosto, mas reflete e acrescenta: "Possivelmente".
O problema, afirma, é evitar o que aconteceu em "A Gaivota", de Tchecov, quando também foi produtor do espetáculo e acabou por dar pouco tempo à construção de seu personagem.
"A gente acaba sendo mais produtor do que ator", diz. "Foi uma loucura muito grande aquilo."
"O Hamlet eu vou fazer com condições muito calmas de fazer. Até mesmo produzindo, mas com toda a estrutura já montada anteriormente, porque do contrário não vale a pena. Tem que parar a vida para fazer Hamlet."
Ele também não está "soltando muito ainda", não está divulgando a montagem porque dirige os ensaios de "Oeste" e não deseja pensar em mais nada.
É a sua primeira direção profissional, no teatro adulto. Antes, encenou dois infantis e um monólogo, mas em sala de ensaio.
"É a primeira vez que eu faço uma coisa maior, com mais responsabilidade", diz, e volta à produção. "Na verdade, o que é chato em teatro é a produção. Como é chato produzir. É impressionante. Parece que eu não aprendo. Tudo o que eu fiz eu produzi."
O produtor, para "Oeste", sonha com dois anos em cartaz. Para tanto, programou a peça para o teatro Bibi Ferreira, um dos mais populares de São Paulo, de peças como "Porca Miséria".
"É um teatro que já comportou temporadas longas. Eu pretendo ficar um pouco mais de tempo e acho que é um teatro de acesso fácil ao grande público. Eu estava com um pouco de medo de fazer esta peça numa sala que deixasse ela elitizada demais."
A escolha dos atores também deve ajudar. É o caso, por exemplo, de Fábio Assunção.
"É um jovem ator", descreve o diretor, "que você conhece de televisão. É um ator que se formou em teatro aqui e foi arrancado lá para a Globo, e fez muito pouco teatro. Agora, parou tudo para fazer este espetáculo."
O protagonista é Otávio Mueller, que esteve em São Paulo no ano passado com a comédia popular "Alô, Madame". Comédia que o diretor sublinha não ser "o tipo de trabalho que ele desenvolveu a vida inteira", já que Otávio Mueller "trabalhou muito tempo com a (diretora) Bia Lessa".
O elenco se completa com Oswaldo Mendes, também jornalista e dramaturgo, que esteve em "A Gaivota", e com Etty Frazer, do antigo teatro Oficina.
"É uma atriz maravilhosa, um documento histórico do teatro", diz Marco Ricca. "É impossível não ser feliz onde ela está. Ela faz uma participação pequena, mas que fecha o espetáculo. Se não tiver presença, uma história por trás, não fecha."
A peça de Sam Shepard estreou em 1980 em San Francisco, nos Estados Unidos, e foi traduzida dois anos atrás por Marcos Renaux e Marilene Felinto, como "Oeste Verdadeiro".
O diretor alterou o título. "A gente deixou só como 'Oeste'. Foi um acordo que eu fiz com o Marcos. Aquele 'verdadeiro' me irritava. Uma palavra meio esquisita."
O oeste verdadeiro é uma velha casa num subúrbio afastado de Los Angeles, onde dois irmãos entram em conflito, um deles candidato a roteirista de cinema.
Marco Ricca diz que escolheu a peça por um velho fascínio que tem pela obra teatral de Sam Shepard. Então, queria ele próprio fazer o papel de Austin, o irmão mais velho, agora interpretado por Otávio Mueller.
Por outro lado, a peça, diz, "tem algo que me incomoda muito hoje em dia, que é esta coisa da impossibilidade de comunicação. É o que eu enxergo em 'Dois Perdidos', do Plínio Marcos. Os seres humanos não conseguem se comunicar e isso vai gerando todas as impossibilidades, a violência, a falta de compreensão."
Mais importante, diz, é a qualidade da dramaturgia de Shepard. "Ele dá estofo para o ator, que é o que eu mais gosto, o que eu mais admiro, no teatro."
Mais do que às palavras, Ricca se refere à capacidade de "decifrar a alma humana. Quer dizer, o Shepard consegue, o Plínio Marcos consegue, o Tchecov, o Shakespeare. Eles são profundos."
Apesar da estréia na direção, ele diz que o novo teatro está no ator e questiona o passado recente, dos diretores. "Um tempo atrás, até porque o mundo estava assim, era tudo tão niilista que a gente não tinha o que falar. Agora parece que as coisas estão retomando."

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