São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 1996
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Acordo nostálgico

JANIO DE FREITAS

As centrais sindicais têm pleno direito de fazer com o governo quantos acordos queiram. A Força Sindical de Luiz Antônio Medeiros nem fez outra coisa desde que criada para dar continuidade ao peleguismo, já adaptado aos tempos neoliberais. Mas o alcance dos acordos não vai até reformas constitucionais, que são atribuição estrita de Congresso. Ou, se o alcance for a tanto, teremos entrado em novo regime, com a dispensa do Congresso -já praticada na ditadura de Getúlio e na ditadura militar.
A reação de parlamentares aos efeitos constitucionais atribuídos pelo governo, CUT e Força Sindical ao seu acordo, em torno da reforma da Previdência, não tem as motivações tolas que lhe são imputadas pelos acordantes, políticos serviçais e parte dos jornalistas. Tanto que políticos da base governista, porém dignos, recusaram também a extensão atribuída ao acordo.
Na prática, a limitação do acordo ficará demonstrada pela necessidade de votação da reforma no Congresso e pelos votos contrários, mesmo que não vitoriosos, aos pontos da comunhão entre governo, Vicentinho e Medeiros. Mas o fato é que se introduziu uma farpa venenosa no já combalido corpo das instituições constitucionais e democráticas. O que estamos vendo é um arremedo do corporativismo autêntico, na sua forma original do fascismo italiano, embora assim não vejam os sempre prontos a dar como corporativismo uma simples reivindicação coletiva de correção salarial.
Na certa
Não deu outra. Com a definição do Conselho dos Secretários de Saúde favorável à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), até o mais radical adversário do imposto de Jatene, o PFL, votou favoravelmente a ele na Comissão de Constituição e Justiça.
Ao "lobby" dos bancos resta agir para não ocorrer o mesmo na votação em plenário. Sua arma é poderosa: estima-se em um terço o número dos parlamentares com intenção de concorrer às eleições municipais deste ano. Ou seja, daqui a pouco pedintes de dinheiro para a campanha. Mais uma campanha de candidatos todos afirmadores de sua lisura, compromisso com o social e independência em relação ao poder econômico.
A propósito de candidatos e do CPMF, o deputado Roberto Magalhães, provável disputante da Prefeitura de Recife, jamais deixa de surpreender. Quando não o faz pela inaplicação de sua vasta experiência de político e mestre de direito, como aconteceu quando relator da CPI dos anões, o faz pelo desuso de sua reconhecida inteligência.
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Roberto Magalhães opôs-se à CPMF com este argumento: "Daqui a pouco haverá um imposto só para a agricultura, outro só para a educação, e assim por diante". Nem sendo parlamentar do Nordeste ele distingue entre as facilidades de financiamento da agricultura, as verbas agora destinadas à educação e a carência calamitosa da Saúde.
Na substância
O governo e seus líderes no Congresso tentavam articular, ontem, um artifício de baixo calão. Aprovado na comissão técnica o relatório do senador Jáder Barbalho sobre o Fundo de Estabilização Fiscal, mas com a mudança da sua vigência de 1º' de janeiro para 1º de março, pretendiam os governistas que aí ocorrera apenas uma alteração redacional, e não de teor (no jargão parlamentar, alteração de mérito). Com isso, evitariam que o projeto precisasse voltar à Câmara, com seu novo teor, para outra votação.
A mudança de data representa R$ 2,5 bilhões a menos na verba que o governo poderá manejar à sua vontade neste ano, sem vinculação com previsões orçamentárias. A mudança é substancial, e não apenas de forma. Tratá-la de outro modo é transgredir os procedimentos devidos pelo Congresso.
Para quem não se lembra, Fundo de Estabilização Fiscal é o novo nome daquele Fundo Social de Emergência que, não sendo de emergência e muito menos social, pagou banquetes do Itamaraty, decoração do Alvorada, presentes presidenciais e outras grandes necessidades do país.

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