São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 1996 |
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O poder pelo poder
CARLOS HEITOR CONY RIO DE JANEIRO - Metade conselho, metade ameaça, o presidente da República avisou aos interessados: quem quiser ganhar eleição tem de apoiar o governo. Nem na Velha República, no tempo dos coronéis e do voto de cabresto, a ciência política chegou a grau de pragmatismo tão explícito.Afinal, para o político tradicional, cujo protótipo pode ser o próprio FHC, a finalidade única da política é ganhar eleição. Todas as energias do governo e de seus ocupantes são canalizadas para isso: exercer o poder pelo poder. Por acaso, andei lendo durante as férias uma biografia recentemente lançada na França sobre Marco Aurélio, o imperador filósofo. A preocupação do autor foi conciliar o pensador formado na filosofia grega (falava grego em casa, só usava o latim em cerimônias oficiais) com o guerreiro que foi morrer às margens do Danúbio para garantir a supremacia romana dentro de limites que Trajano tornara exorbitantes. Para Marco Aurélio, herdeiro espiritual dos Antoninos, o poder nada tinha de filosófico: era o instrumento material, prosaico, até certo ponto banal para administrar o Estado. Confiava em que a posteridade o respeitaria pelas máximas que deixou, não pela obrigação que cumpriu. Não foi à-toa que Renan considerou a morte de Marco Aurélio como o limite de uma era. Espero que os deuses me perdoem por citar Marco Aurélio a propósito de FHC. A última entrevista que deu, na quarta-feira, um ano depois de ter tomado posse, foi uma peça de campanha eleitoral, tão campanha e tão eleitoral que seu ponto mais notável foi o citado conselho/ameaça: quem quiser ganhar eleição para exercer o poder como ele exerce só precisa fazer uma coisa: apoiar o próprio FHC. O conselho é supérfluo: na República Velha, nos países onde a democracia é uma fachada, o governo sempre ganha eleição, seja qual for o governo, seja qual for a eleição. Quanto à ameaça, ela sinaliza o que nos espera: um vale-tudo para manter o atual grupo no poder. Só que, nessa hipótese, sabemos qual o grupo e qual o tipo de poder. Texto Anterior: Medeiros, o vencedor Próximo Texto: Um melô de compasso Índice |
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