São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 1996
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Decreto permite rever 153 áreas indígenas

ABNOR GONDIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O decreto 1.775, promulgado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 8 de janeiro, abriu a possibilidade de revisão de 153 das 554 áreas indígenas reconhecidas no Brasil (28%).
O novo decreto, que substituiu o decreto 22, de 1991, estabeleceu o direito ao contraditório -quem se achar prejudicado pode contestar os trabalhos do governo sobre demarcação das áreas indígenas.
Pelo decreto, as contestações podem ser feitas até abril e só podem ser questionadas as decisões relativas às áreas que ainda não estão totalmente regularizadas. A Funai tem prazo de 60 dias para fazer a defesa.
Estão nessa situação as 91 áreas identificadas como terras indígenas por antropólogos -com pareceres já publicados no "Diário Oficial"- e 62 áreas demarcadas com limites definidos em terra e em mapa. Ao todo, tais áreas somam 39 milhões de hectares, equivalentes a 258 superfícies da cidade de São Paulo.
Segundo o Ministério da Justiça, estão fora do alvo do decreto as 188 áreas que ainda não foram definidas em estudos antropológicos para início do processo de regularização. São chamadas de "áreas a identificar".
Também estão livres de contestações as 213 áreas regularizadas, porque o processo de legalização já foi concluído com registro em cartórios imobiliários ou no Serviço do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.
Críticas
As entidades indigenistas do Brasil e do exterior entendem que as contestações podem inviabilizar a demarcação das 188 áreas a identificar e até mesmo algumas que foram registradas na vigência do decreto 22.
É caso da área dos ianomâmis (RR), a maior do país, com 9,4 milhões de hectares, regularizada em 1992.
O temor das entidades é irreal, segundo o Ministério da Justiça. "As terras indígenas regularizadas e registradas são atos jurídicos perfeitos que não podem ser contestados", afirma o ministro Nelson Jobim (Justiça), idealizador do novo decreto.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) considera exagero a preocupação das entidades com as áreas a identificar porque não se pode contestar o que não foi criado.
Militante da defesa dos direitos dos índios desde a Constituinte de 88, o presidente da Funai, Márcio Santilli, dá razão aos críticos em apenas um ponto -o órgão não tem pessoal para analisar todas as contestações no prazo de 60 dias.
Laudo e Democracia
Para Santilli, o novo decreto impõe também dificuldades aos contestadores por exigir orientação científica nos pedidos de anulação ou redução das áreas indígenas. No máximo, ele admite que os contestadores podem ter direito a indenização por benfeitorias erguidas nas áreas indígenas.
"Eles terão de recorrer a laudos antropológicos para rever as áreas indígenas. Será muito difícil provar que uma área onde há índios não é terra indígena", afirma.
Antes de assumir a Funai, em setembro de 95, Santilli era secretário do ISA (Instituto Socioambiental), uma das entidades que querem revogar o novo decreto.
Antes da publicação do novo decreto, o ministro Nelson Jobim alegava que as áreas criadas depois de 91 corriam o risco de serem anuladas porque o decreto 22 poderia ser considerado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Pacote
O governo já definiu um novo pacote indígena. Quatro novas áreas indígenas serão homologadas pelo presidente da República -duas em Roraima, uma em Minas e outra em Santa Catarina. Outras dez terão demarcação autorizada por meio de portarias do Ministério da Justiça.
Entre os índios cujas terras serão demarcadas para futura homologação estão os avá-canoeiros (GO), uma das tribos mais ameaçadas de extinção no país. A Funai identificou apenas seis índios em 38 mil hectares, mas há indícios de grupos isolados em vários pontos da área.

As áreas com homologação prevista são: Ibirama (SC), com 14.090 hectares e 1.200 índios; Canauanin (RR), com 11.182 hectares e 287 índios; Jaboti (RR), com 14.210 hectares e 78 índios; e Maxacali (MG), com 5.306 hectares e 854 índios. Estão com demarcação prevista também as seguintes áreas: Escondido (MT), Guató (MS), Karipuna (RO), Massaco (RO), Tereza Cristina (MT), Rio Tea (AM), Rio Apaporis (AM) e Águas Belas (BA). Ao todo, essas áreas somam 1,8 milhão de hectares.

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