São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 1996
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Setor sucro-alcooleiro à deriva

ALBERTO CAVALCANTI DE FIGUEIREDO

É surpreendente o descaso do governo federal com o setor sucro-alcooleiro nacional e particularmente com o Proálcool (Programa Nacional do Álcool). Nada justifica a inércia, em quase dois anos do novo governo, dos Ministérios da Indústria, do Comércio e do Turismo e de Minas e Energia, ante os graves problemas que enfrenta um setor de tanta importância para a economia nacional, que atua em 21 Estados, com cerca de 570 unidades industriais de grande e médio portes, entre usinas de açúcar, destilarias anexas e destilarias autônomas, com mais de 60 mil fundos agrícolas, que proporciona empregos a mais de 1 milhão de trabalhadores e centenas de milhares de empregos em setores indiretamente ligados à produção de cana, açúcar e álcool.
Nestes quase dois anos, a ação governamental tem se limitado a repetidas e inconsequentes reuniões com o empresariado do setor, a esporádicos e inexpressivos reajustes de preços e a uma total trapalhada quando resolve interferir na política de exportação de açúcar, sem qualquer adequação à realidade da economia açucareira, e ainda autorizando a transformação de destilarias autônomas em usinas de açúcar, sem a menor preocupação sobre os graves problemas que uma superprodução de açúcar vai gerar para todo o setor no país, como o aviltamento dos preços do açúcar nos mercados internos e externo, o que já ocorreu por diversas vezes, levando ao regime de intervenção estatal em que até hoje está submetido o setor sucro-alcooleiro nacional.
O pior é que todas essas medidas equivocadas e inconsequentes estão sendo tomadas sem que o governo federal diga claramente qual a política que pretende para o setor e o que deseja em relação ao Proálcool. Seria igualmente necessário esclarecer se é sua intenção abrir mão, total ou parcialmente, para a iniciativa privada, dos instrumentos e dispositivos legais de que dispõe e que lhe dão amplos poderes para exercer a forte intervenção na economia açucareira.
Segundo matéria publicada na Folha, do dia 19 de outubro do ano passado, a ministra da Indústria, do Comércio e do Turismo, Dorothea Werneck, disse que iria propor "a retomada das pesquisas de desenvolvimento do motor a álcool pelas montadoras" e que iria negociar com estas um programa de aumento da produção de veículos movidos a álcool. Por que somente agora, com quase dois anos de governo, quando a morte lenta do Proálcool já foi decretada, quando a produção de veículos a álcool, em relação à produção total caiu de 26% em 1993, para 12% em 1994, e menos de 2% em 1995?
É inadmissível que um programa, da importância do Proálcool, iniciado em 1975, portanto com cerca de 20 anos de existência, não tenha ainda uma avaliação correta e definitiva, por parte das autoridades governamentais. A indefinição do governo federal em relação ao setor sucro-alcooleiro nacional não está somente agravando a situação da economia açucareira nacional, com o fechamento de inúmeras unidades produtoras nas regiões Nordeste e Centro-Sul, como também provocando o abandono da lavoura canavieira e, assim, aumentando a massa de desempregados que, sem outra alternativa, irão se deslocar para os grandes centros urbanos, ou engrossar as fileiras dos sem-terra.
Das centrais de trabalhadores, que não vêm se manifestando ante uma situação que ameaça de desemprego mais de 1 milhão de seus companheiros, da indústria e do campo, espera-se, igualmente, uma ação mais enérgica junto a todos que têm a responsabilidade de evitar o pior, enquanto ainda é tempo.
O Brasil espera uma decisão urgente do governo federal, pois não há mais tempo para ficar na expectativa de estudos e reuniões protelatórias, enquanto o problema do setor sucro-alcooleiro se agrava. Se o objetivo for mesmo o de decretar a falência do Proálcool, que o governo assuma corajosa e definitivamente esta responsabilidade e arque com as consequências futuras da sua decisão.

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