São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996 |
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O parto do monstrengo
OSIRIS LOPES FILHO Há um novo cruzado na praça. Não o ressurgimento da moeda fracassada do governo Sarney, mas a valorosa atuação do ministro Jatene, cavaleiro brioso da criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.Cirurgião cardíaco de elevada reputação, essa origem determina o seu desempenho como defensor da CPMF. É uma campanha feita com o coração. E emocionante, pois envolveu a perícia cirúrgica de lutar, de peito aberto, enfrentando os obstáculos nas cruéis entranhas governamentais e a extenuante campanha no Congresso. A ênfase imprimida pelo ministro Jatene baseia-se na solidariedade social, que procura despertar na sociedade. Apelos altruísticos e nobres ao pagamento de tributos, inspirados em fins humanitários, pouco funcionam, embora possam enobrecer a quem se dedica, em nome de ideais elevados, a essa tarefa. É inegável que o desempenho do ministro Jatene tem sido comovedor nessa atividade. Mas não é racional. Como financista, o dr. Jatene é ainda aprendiz. Não considera a existência da transferência da carga tributária. Imagina que os nossos super-homens, que sobrevivem com o salário mínimo, não serão alcançados pelo tributo. Engano. Como é um tributo cumulativo, que afeta o ciclo produtivo e da comercialização dos bens e serviços, vai ser transferido para o consumidor final, no mecanismo de preços, qualquer que seja sua renda. A sua repercussão pode representar, conforme as fases do ciclo produtivo e de comercialização, uma carga tributária de cinco a dez vezes a alíquota prevista de 0,25%. E aí, é altamente regressivo, pois quanto menor for a renda do consumidor, maior será o peso dessa carga tributária. E entra na contramão da política defendida pelo governo federal, de redução do chamado "custo Brasil". Onera o capital de giro e de investimento das empresas, eleva os preços em geral, tendo um efeito inflacionário. Mas ele se engana ao afirmar que a CPMF vai pegar todo mundo. Não há dúvida de que alcançará toda a economia formal. Essa sempre padece com novos tributos. A informal, principalmente a criminosa, pouco será afetada. Ela vai negociar com moeda estrangeira, ouro, ou realizar as operações no exterior, fugindo à incidência da contribuição. Há uma atmosfera triunfalista no governo, de comemoração do "maior resultado de todos os tempos", decorrente da avaliação da arrecadação federal de 1995. Parece que o ciclo de crescimento de arrecadação pode ter alcançado o seu limite. Com efeito, segundo José Alves da Fonseca, "expert" nessa matéria, a arrecadação federal nas décadas de 70 e 80 representou permanentemente 9,5% do PIB. Em 92, atingiu 10,2%, 11,5% em 93, 12,5% em 94 e, em 95, 12,7%. O crescimento foi discreto, para não dizer que ficou estacionário. Há um fato agravante. Em 1995, pela primeira vez em muitos anos, a arrecadação do segundo semestre foi inferior à do primeiro, indicando tendência de queda. Como é tradicional desde a ditadura militar, em face da possível perda de arrecadação, pode ser que o governo mobilize esforços para criar um novo tributo. A aliança do franciscano "é dando que se recebe", com a fé que remove montanhas, pode parir o monstrengo tão esperado pelo dr. Jatene. OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal. Texto Anterior: As estimativas do crescimento da economia Próximo Texto: Hegemonia dos EUA é regra da Nova Ordem Índice |
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