São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996 |
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A sobrevivência da balsa
CARLOS HEITOR CONY RIO DE JANEIRO - A convite de Matinas Suzuki Jr., fui ao programa "Roda Viva" na TV Cultura e desconfio que disse muita asneira ao vivo, pois o programa não é editado. Mesmo assim, gostaria de repetir uma comparação que fiz a respeito do neoliberalismo em moda. Imaginei um naufrágio, a balsa com uns 17 náufragos. Entre os 17 haveria fortes e fracos, burros e inteligentes, chatos e interessantes.Alguém poderia entender de mar, de navegação, outro teria sentido de liderança. Haveria um velho doente, batendo pino, uma mulher neurótica, duas ou três crianças apavoradas. A balsa seria o resumo da sociedade, ela própria balsa, uma sociedade com seus problemas. Para sobrevivência da balsa, o bom senso recomendaria criar uma espécie de Estado cuja função seria equalizar a potencialidade de cada um. Sem Estado, os mais fortes fatalmente se reuniriam e jogariam no mar os velhos, os doentes, as crianças que só ocupariam espaço e beberiam a água potável que deveria ser destinada aos que tivessem melhores condições de sobrevivência. Dos 17 da balsa, três ou quatro mais isso ou mais aquilo tomariam o poder, e sem o Estado para regular o mínimo de decência humana, sacrificariam os demais. O neoliberalismo, com perdão do esquema, é isso aí. Na selva prevalece regime igual, o mais forte come o mais fraco porque, entre outras coisas, acredita que o mais fraco foi posto no mundo para alimentar o mais forte. Para impedir que a legislação da selva dominasse a sociedade humana, criou-se o Estado, que não deve ser pai nem patrão, mas apenas árbitro na medida em que pode, sem ser Robin Hood e sem ser o Betinho, administrar o bem comum. Isso não chega a ser cristianismo nem socialismo. É simples bom senso, humanismo. Estabelecer o primado do mérito, da força e do mercado, em última análise, é um retorno à lei da selva, à balsa onde velhos, crianças e doentes deverão ser jogados ao mar para que sobrem espaço e água potável para os mais fortes. Texto Anterior: O segredo de Covas Próximo Texto: Chega de impostos! Índice |
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